At
10,25-26.34-35.44-48
1Jo
4,7-10
Jo 15,9-17
“Permanecei no meu amor” (Jo 15, 9)
A leitura do evangelho é seguimento do domingo passado.
Jesus continua ensinando o que significa permanecer
nele assim como o ramo permanece na videira. Esta é uma realidade fundamental
da nossa fé. Geralmente se prega sobre os mandamentos, a ética, o empenho
social, a moral sexual... mas pouco se fala sobre nossa relação com Jesus.
Normalmente nos relacionamos com Deus de uma maneira formal,
tradicional. Quando precisamos algo nos dirigimos a Ele com todo o respeito e
formulamos uma oração que lhe esteja a altura. Acreditamos que Ele vai nos dar
aquilo que pedimos se formos bom e O amarmos acima de tudo. Mas se conseguirmos
ser sinceros conosco mesmos, percebemos que não O conhecemos, achamos que está
distante de nós ou, pior ainda, temos medo Dele como o escravo teme seu senhor.
No discurso que ouvimos Jesus diz claramente que ele não nos
chama mais de servos, escravos, mas de amigos porque nos deu a conhecer tudo o
que ouviu do Pai. Em muitas passagens do Antigo Testamento vemos o povo se
relacionando com Deus com receio, com medo que a Sua santidade o esmague ou
destrua. Podemos afirmar que a aliança com o Senhor assumia características
serviçais. Jesus vai propor uma relação nova, fundamentada na amizade: “já não
vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo
amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15,15). Uma
das características principais da amizade é a reciprocidade no amor e a
confiança mútua ao ponto de contar segredos.
É neste contexto que surgem outras duas afirmações
impressionantes: “Como o Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no
meu amor (...) amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo 15,9.12).
Percebemos uma corrente: O Pai ama Jesus, Jesus ama os homens e mulheres, e
estes amam-se mutuamente.
A fonte de todo amor é Deus, ou melhor, Deus é amor! É o que
ouvimos na segunda leitura. Por isso Ele ama Jesus, se entrega inteiramente em
suas mãos e declara: “Tu és meu filho amado” (Lc 3,22). Às vezes tento imaginar
a intensidade, a profundidade e a constância desse amor mas logo desisto. A
impressão que tenho é que não suportaria entender e contemplar a realidade de
tal mistério[1].
Fico ainda mais impressionado quando lembro que as características do amor de
Jesus por nós são iguais. A maior prova que tivemos foi o ato supremo de sua
entrega na cruz[2].
Quando Jesus convida a permanecer no seu amor é em primeiro lugar um convite a
permanecer no amor que ele tem por nós, a olhar para a cruz e enxergar nela um
testemunho de amor. Ele nos ofereceu a prova que nos ama antes que pudéssemos
pedir isso. Foi algo gratuito.
O amor que nasce no Pai e do Pai, passa por Jesus e chega
até nós. Ele é antes de tudo um dom que nos precede: “Ele nos amou primeiro”
(cf. 1Jo 4,19). Este dom foi derramado dentro de nós no momento do nosso
batismo como Espírito Santo (cf. Rm 5,5; 2Cor 1,22), Amor do Pai e do Filho.
Mas para ele se desenvolver é preciso não retê-lo. O amor precisa continuar sua
trajetória rumo aos outros.
Aqui entra uma característica que é própria do cristianismo:
não basta amar quem nos ama, ou quem tem a nossa mesma fé. Meu irmão é também
aquele que me fez mal, ou quem passa por dificuldades. Não devemos, porém,
buscar um amor universal abstrato. O discípulo de Jesus não é aquele que ama a
humanidade lutando pelos direitos dos animais ou das crianças da Etiópia mas
esquece de socorrer seu parente que está no hospital abandonado, ou o vizinho
que não consegue mais sair de casa. O amor inicia com aqueles que estão mais
perto, na sua comunidade e casa. Mas o que significa amar?
A caridade é paciente, a
caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho.
Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita,
não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a
verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (1Cor 13,4-7).
Gosto de explicar o amor ao próximo como uma ação que faço
para ajudar o outro, pensando no bem dele. Mas o que verificamos é que muitas
vezes fazemos ao outro algo que vai nos dar o reconhecimento dele ou de quem
ver o que iremos fazer. Estamos mais preocupados com nossa imagem, com aquilo
que vão dizer ou pensar do que com o bem da pessoa. Por exemplo, para um filho
drogado e maior de idade, não é amor uma mãe acolher na sua casa, dar comida e
roupa lavada e, às vezes, até dinheiro para ele comprar droga. Pai e mãe desse tipo só estão incentivando o vício do filho, mesmo pensando que o estão amando. Pais assim estão pensando principalmente em si, no que os
outros vão dizer se obrigarem o filho a se internar, se não derem mais
dinheiro, se forem duros com ele.
Fazer de tudo para não se sentir mal não é amor
ao próximo mas amor a si mesmo!
Não sei se consegui explicar o que significa o amor ao
próximo, mas se ao menos tivermos entendido que o amor parte de Deus, passa por
Jesus e chega até nós para que o façamos circular amando-nos mutuamente, já
conseguimos entender o mais importante da Palavra de Deus.
Pe. Emilio Cesar
Pároco de Messejana
[1] S.
João da Cruz escreveu um poema sobre o amor divino que é um dos mais belos da
literatura cristã, Chama viva de amor. Na primeira estrofe ele diz: “Pois não
és mais esquiva, / Acaba já, se queres, / Ah!
Rompe a tela deste doce encontro”
[2] O
tempo dos verbos gregos (agapao e philein) que foram traduzidos por amar estão no aoristo que salienta um
ato pontual e não o caráter contínuo que se apresentaria se o tempo fosse
presente (cf. R. Brown,
Giovanni. Commento al vangelo spiritual,
3a ed. Assisi: Cittadela 1979, p. 799).