sexta-feira, 1 de julho de 2011

Homilia da solenidade de S. Pedro e S. Paulo

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
Para sempre seja louvado.

Caros irmãos e irmãs,
Hoje nós celebramos o martírio de S. Pedro e S. Paulo que aconteceu na cidade de Roma no ano de 64. Pedro teria sido crucificado de cabeça para baixo, juntamente com dezenas de outros cristãos; e Paulo, por ser cidadão romano, sofreu uma morte menos dolorosa e mais rápida, a decapitação. Esta perseguição e assassinato, segundo o historiador Tácito[1], foi realizada por Nero como uma forma de punir os cristãos pelo incêndio de Roma. Na verdade, indica o historiador, o incêndio parece ter sido provocado pelo próprio imperador que queria reformar a cidade[2] mas diante da revolta do povo que perdeu propriedades e familiares precisou encontrar um bode expiatório, os cristãos.
Através destes dois apóstolos a Igreja celebra hoje a sua apostolicidade: “Creio na Igreja, uma, santa, católica, apostólica”. Para entender o que significa isso precisamos ler a Carta aos Efésios: “Assim, já não sois mais estrangeiros nem migrantes, mas concidadãos dos santos. Sois da família de Deus. Vós fostes integrados no edifício que tem como fundamento os apóstolos e os profetas, e o próprio Jesus como fundamento principal. É nele que toda construção se ajusta e se eleva para formar o templo santo no Senhor” (Ef 2,19-21). Pedro e Paulo são o fundamento do edifício espiritual que é a Igreja, os dois últimos elos de uma corrente que nos une ao próprio Cristo, fundamento principal[3]. Na reflexão de hoje aprofundaremos a dimensão petrina da apostolicidade da Igreja.
No evangelho ouvimos Jesus perguntar: “E vós quem dizeis que eu sou?” (Mt 16, 15). Simão responde: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16). Estas palavras manifestam a fé da própria Igreja: Jesus é o Messias esperado e anunciado em todo Antigo Testamento; o Messias é também o Filho de Deus, aquele que se manifestou vivo e soberano aos onze apóstolos após sua ressurreição (cf. Mt 28, 18).
Diante de tal confissão Jesus afirma: “Tu és Pedro (Kefas) e sobre esta pedra (kefas) edificarei a minha Igreja” (v. 18). Para entender profundamente este versículo é preciso voltar a uma passagem do profeta Isaias: “é por esta razão que assim diz o Senhor Deus: Eis que porei em Sião uma pedra, uma pedra de granito, pedra angular e preciosa, uma pedra de alicerce bem firmada: aquele que nela puser a sua confiança não será abalado” (Is 28,16). Nesta passagem o profeta anuncia que Deus irá colocar em Jerusalém o fundamento de um novo edifício espiritual, de um novo povo. Esta realidade nova será salva do poder da morte escatológica (cf. Is 28,15). Ao dar um novo nome a Simão, Jesus lhe comunica uma missão, a missão de ser esta pedra para o novo povo que vai surgir. E este povo é chamado pelo Senhor de Igreja (ekklesia), assembleia convocada por Deus para o culto (cf. Dt 4,10) [4].
É muito interessante perceber que o Senhor fala da minha Igreja. Não se trata de qualquer grupo de pessoas que acreditam que Jesus foi um grande líder, mas daquele grupo convocado por Deus para se tornar a comunidade de salvação. Pedro é o fundamento visível deste novo povo que se espalhou pelo mundo inteiro. A Igreja católica acredita que esta missão de Pedro, ser sinal visível de unidade para todas as comunidades cristãs, continua nos seus sucessores, os bispos de Roma, também chamados carinhosamente de Papa, papai[5]. Simão Pedro foi o primeiro bispo de Roma e, com sua morte, parte do ministério dele passou para o segundo bispo da cidade, Lino (segundo Papa). Depois veio Cleto, Clemente, Sisto, Cornélio, Cipriano.... João Paulo II, Bento XVI. Nosso Papa atual é o 265º sucessor de Pedro, e ele foi colocado na nossa Igreja por Jesus para confirmar a nossa fé. Um das características para descobrir que fazemos parte da Igreja de Jesus é a nossa união efetiva e, se possível, afetiva com o sucessor de Pedro. Ouvir e seguir o que ele ensina, deixar-se conduzir pelo seu pastoreio universal.
Jesus promete que o poder do inferno nunca poderá vencer a Igreja (cf. Mt 16,19). O sentido principal dessa frase é dizer que a Igreja é um lugar seguro diante das forças da morte, uma comunidade de salvação diante do mal e da morte eterna. Também quer indicar a duração perpétua desta comunidade nova, por mais que o mal tente destruí-la isso nunca acontecerá.
“Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado no céu; tudo o que tu desligares na terra será desligado no céu” (Mt 16,19). Para entender o significado das chaves precisamos novamente ler o profeta Isaias (22,19-22). Eliacim é escolhido para substituir Sobna como responsável da corte do rei: “Pôr-lhe-ei sobre os ombros a chave da casa de Davi: quando abrir ninguém fechará; quando fechar ninguém abrirá” (Is 22,22). Não se trata apenas de um porteiro mas do ministro mais importante da corte. Assim, o evangelista nos indica que Pedro é constituído por Cristo como chefe máximo da sua comunidade (minha Igreja), seu delegado supremo para o governo do novo povo de Deus.
Nas palavras de Jesus não existe identificação entre a Igreja e o Reino de Deus. Este representa a realidade última e definitiva; aquela, a Igreja, está no tempo, a caminho da meta final. Pedro tem em mãos as chaves, isto é, a autoridade para governar a casa de Deus e conduzir o povo para salvação final do Reino de Deus[6].
“O poder de ‘ligar e desligar’ significa a autoridade para absolver os pecados, pronunciar juízos doutrinais e tomar decisões disciplinares na Igreja. Jesus confiou esta autoridade à Igreja pelo ministério dos apóstolos e particularmente de Pedro, o único ao qual confiou explicitamente as chaves do Reino” (C.I.C. 553). Essa ação de Pedro encontra plena confirmação da parte divina, o que ele faz na terra será feito no céu (cf. Mt 16,19).
Queremos concluir esta reflexão com as palavras do Pe. Raniero Cantalamessa: A Igreja não é uma sociedade de livres pensadores mas é a comunidade daqueles que se unem a Pedro na proclamação da fé em Jesus Cristo. Desde quando foi escrito o capítulo 16 de Mateus, para se estar verdadeira e plenamente na Igreja, é preciso estar em comunhão com a fé de Pedro e com a sua autoridade ou, ao menos, estar caminhando para isso. Não se pode ser Igreja sem Pedro. Isso não significa que precisamos nos apoiar na personalidade ou no testemunho de vida dele ou de seus sucessores. A história nos ensina que eles falharam muitas vezes no pastoreio ou no serviço, mas não na fé. Pedro negou Jesus, outros Papas cometeram pecados grandiosos. Só Cristo é o pastor que não nos decepciona, só ele é a pedra angular do novo edifício espiritual, a Igreja (cf. Ef 2,20). Precisamos, porém, estar unidos a Pedro na proclamação da fé católica[7].



[1] Cf. Annales, Livro XV, cap. XXXVIII-XLIV.
[2] Cf. TÁCITO, Annales, Livro XV , cap. XL)
[3] Cf. Raniero Cantalamessa, La parola e la vita, p.309.
[4] Cf. G. BARBAGLIO, Os Evangelhos, vol. I, p. 253.
[5] Possivelmente provém do Latim "Papa", do Grego πάππας, uma palavra carinhosa para pai (cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Papa#cite_note-0. Consulta realizada no dia 30 de junho de 2011 às 23:49)
[6]  Cf. G. BARBAGLIO, Os Evangelhos, vol. I, p. 254.
[7] Cf. Raniero Cantalamessa, La parola e la vita, p.310.

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