Homilia do XXII domingo do Tempo Comum - Ano A
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
Para sempre seja louvado.
Caros irmãos e irmãs,
“Seduziste-me Senhor, e eu me deixei seduzir”. Estas palavras do profeta Jeremias geralmente são interpretadas como algo muito positivo, um sinal do amor de Deus por ele. A realidade que Jeremias quis transmitir é bem diferente. Ele se sente enganado. Deus lhe chamou para ser profeta e ele aceitou porque achava que era algo agradável, ou pelo menos que não seria tão difícil. O Senhor, porém, lhe mandava levantar a voz clamando contra a maldade do povo, falando o contrário que os falsos profetas falavam, denunciando aquilo que o povo não queria ouvir. Seduziste-me Senhor, significa, enganaste-me Senhor mas eu me deixei enganar porque Tu és mais forte. Jeremias tentou fugir da missão mas não conseguiu: “Disse comigo: ‘Não quero mais lembrar-me disso nem falar mais em nome dele’. Senti, então, dentro de mim um fogo ardente a penetrar-me o corpo todo; desfaleci, sem forças para suportar” (Jr 20,9).
A primeira leitura é colocada em referência ao anúncio que Jesus faz de sua paixão e morte em Jerusalém no evangelho de hoje (Mt 16, 21-27). Ele também se coloca na esteira dos profetas que falam aquilo que o povo não quer ouvir, por isso foi perseguido e morto. Jesus, porém, não é apenas um profeta mas o Profeta esperado. Ele não resistiu ao chamado como Jeremias mas o abraçou desde o começo com convicção. No fim ele percebeu que estava indo ao encontro da morte e aceitou como o caminho que devia trilhar.
O primeiro anuncio da paixão se coloca logo após Pedro ter confessado em nome dos doze que Jesus é o Messias. O Mestre, então, que tanto demorou para aceitar este título, precisa revelar os detalhes mais difíceis do seu caminho messiânico. Ele não deseja nem espera sucesso ou poder político mas escolheu e abraçou o caminho do serviço, o caminho do amor: dar a vida pelos seus. Isso não agrada Pedro, nem os outros que esperavam um messias que iria libertar o povo do jugo do Império Romano. Pedro o leva a parte e começa a repreendê-lo, a ensinar o verdadeiro caminho do messias. Padecer e morrer, logo agora que se está tão perto de Jerusalém, da libertação... isso nunca te aconteça! Pensou Pedro.
As palavras do apóstolo nos lembram a segunda tentação: “Se és Filho de Deus, atira-te para baixo (Jesus estava no ponto mais alto do templo), porque está escrito: Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito e eles te tomarão pelas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra” (Mt 4,6). É a tentação do sucesso religioso, transformar a fé em manifestação de poder[1].
Essa maneira de pensar de Pedro é humana e está distante do caminho escolhido por Jesus, caminho do serviço, do amor. Ele percebeu as palavras do apóstolo como uma verdadeira tentação, uma oposição em seu caminho, por isso o chama de Satanás (= opositor) e ordena: “vai para traz de mim” (Mt 16,23). Esta é a maneira mais correta de traduzir o texto grego (u[page ovpi,sw mou). O primeiro apóstolo deixou seu lugar de discípulo e está querendo ensinar o Mestre, Jesus ordena que ele retorne ao seu posto e aprenda que o caminho do Messias é bem diferente daquilo que ele pensava. Precisamos nos perguntar onde e como estamos nos colocando em relação a Jesus “na sua frente”, querendo ensiná-lo o caminho do sucesso (curas, milagres, conversões prodigiosas, multidões etc.); ou “atrás dele”, como discípulo que mesmo sem entender tal caminho queremos segui-lo e aprender com ele.
De fato, Jesus vai ensinar que o caminho do discípulo é igual ao do Mestre: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mt 16,24). Não é fácil para nós cidadãos do século XXI aceitar e entender estas palavras. Pensamos logo que Jesus quer que os homens e mulheres que lhe seguem seja frustrados e alienados, mas o caminho que ele indica, o da renúncia, é caminho de realização, de vida, de felicidade (lembre das bem-aventuranças: Mt 5). Renunciar a si mesmo significa sair do primeiro lugar da sua vida e colocar Deus. Também significa colocar o próximo no segundo lugar. Não é este o resumo de toda a Lei e os profetas. Renunciando a si mesmo, ou seja, colocando Deus em primeiro lugar e o irmão em segundo você está trilhando o mesmo caminho de Jesus, este é o caminho das bem-aventuranças, da felicidade plena.
Outra coisa difícil de entender é tomar a cruz. A cruz em primeiro lugar são os sofrimentos que você tem na sua vida e não pode se desvencilhar. É o marido ou a esposa que não lhe ama como você gostaria, são os filhos que lhe dão desgosto, o cansaço e desgaste do trabalho que você não pode largar porque é sustento da sua família etc. Quem não passa por dificuldades como essa? Todos, até os que não creem em Deus. Nós, porém, temos o diferencial da fé. Damos um sentido a tudo isso. Estas realidades difíceis são a sua cruz, o instrumento de salvação se você abraça como tal. Em vez de reclamar, se maldizer ou murmurar, veja as dificuldades e os sofrimentos que você não pode deixar de lado como um instrumento que Deus lhe deu para estar mais perto Dele e seguir Jesus. Agradeça, louve e faça destas realidades um para-raio da graça de Deus para você.
A cruz é também as perseguições que nascem quando você começa a ser um cristão autêntico. Isso incomoda o mundo que começa lhe criticar, lhe evitar ou mesmo lhe perseguir.
Diante das palavras de Jesus precisamos nos questionar se estamos sendo cristãos autênticos, renunciando a nós mesmos (colocando Deus o próximo antes de nós), carregando nossa cruz (dificuldades que não podemos resolver e as perseguições) e andando atrás dele como discípulo, mesmo que seja para sofrer e morrer em Jerusalém, após três dias ele ressuscitará, e nós também.
[1] A maneira de Pedro pensar não é também a nossa? Quem não se perguntou: Por que Jesus ficou calado no seu processo? Por que ele não fez um milagre para calar a boca dos seus acusadores? Por que não desceu da cruz? Por que ele não curou aquela pessoa por quem pedi, todos da família teriam acreditado? Por que ele deixa que tudo isso aconteça comigo, Deus não vai fazer nada?
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