Diante deste evangelho muitas vezes ficamos desconcertados e
queremos comentá-lo de uma forma que diminua nosso mal estar. Jesus estaria
fazendo uma apologia à passividade, à contemplação, em detrimento do trabalho?
Jesus estava, juntamente com os apóstolos, viajando para
Jerusalém, a última viajem do seu ministério público. Na sua passagem por
Samaria, ele não tinha recebido acolhimento porque souberam para onde viajava
(cf. Lc 9,51-56). Os samaritanos tinham e têm uma grande rivalidade com os
judeus, e vice-versa. Em Betânia, porém, ele encontra acolhida na casa de duas
irmãs, Marta e Maria. A primeira logo se apressa para preparar mais que o
necessário para servir Jesus. A segunda se senta aos pés do Senhor para escutar
as suas palavras.
É interessante perceber que o vocábulo utilizado para
descrever o que Marta faz é serviço (diaconia),
entendido como serviço prestado à mesa. O problema desta mulher não é querer
acolher Jesus da melhor forma possível, mas o modo como ela fez isso. O texto diz
que ela ficou preocupada com muito serviço – mais adiante Jesus afirma que
Marta estava ansiosa e perturbada com muitas coisas. Provavelmente ela queria
preparar bem mais que o necessário para Jesus e isso a levou a uma agitação
estéril, esquecendo o mais importante: escutar a palavra do Mestre.
O que Lucas deseja mostrar é a primazia da escuta da palavra
sobre o serviço desorientado[1].
Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada. Ela é a discípula
verdadeira que escuta a palavra para depois colocar em prática (cf. Lc 8,21),
ou seja, para depois servir. Marta realiza um serviço desvinculado da escuta. Ela
já começa trabalhando, e isso a agita e lhe leva a uma preocupação desnecessária
com estas coisas (cf. Lc 12, 29-31), ao ponto de reclamar de Jesus: “Senhor,
não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço? Manda que
ela me venha ajudar!” (Lc 10,40).
Podemos dizer que Maria é o modelo do discípulo de Jesus que
primeiro escuta a sua palavra para depois colocá-la em prática. Enquanto Marta
é um modelo do que não devemos fazer: servir o Senhor da melhor forma possível sem
escutar primeiro a sua palavra.
Na nossa Igreja existem muitas pastorais. Tenho vontade de parar
para contar tudo que uma paróquia precisaria ter e fazer para seguir todas as
sugestões da CNBB: pastoral da família, dos noivos, da criança, do menor, da
juventude, do batismo, da pessoa idosa, do dízimo, da liturgia, da comunicação,
vocacional, da juventude, da sobriedade, equipe das campanhas (fraternidade e
evangelização), comissão missionária paroquial... Sem falar nos serviços e
movimentos. Às vezes me pergunto se não estamos muito parecidos com Marta:
fazemos muito, queremos fazer mais e não temos tempo de nos sentar aos pés do
Mestre para escutar sua palavra e saber se ele quer que façamos tudo isso, ou
prefere que nos dediquemos a outras coisas.
Na nossa paróquia, priorizamos os grupos de catequese como
uma forma de sermos mais parecidos com Maria. Com o passar do tempo, surgem de
dentro destes grupos pessoas dispostas a servir sua comunidade naquilo que é
necessário: catequistas de crianças, pessoas que celebram a Palavra no dia de
domingo, Ministros Extraordinários da Sagrada Comunhão etc. Acredito que dessa
forma estamos fazendo uma profunda conversão pastoral aos moldes daquilo que os
bispos têm pedido desde Aparecida[2]:
é preciso ser discípulo de Jesus para depois se tornar missionário.
E você, que acompanha esta homilia, já entrou na dinâmica da
escuta da palavra do Senhor para ser parecido(a) com
Maria? Está fazendo parte de um grupo de catequese?
Pe. Emilio Cesar
Pároco de Guaiuba
[1]Em At 6,2.4, Lucas vai mostrar que o serviço à Palavra
(pregação) e a oração têm a primazia no ministério apostólico em relação ao
serviço às mesas das viúvas. É neste contexto que surge a figura dos sete
homens de origem grega, que receberão a imposição das mãos dos apóstolos, para
se dedicar a esta missão.
[2]A impressão que tenho é que a maioria das paróquias
continuam fazendo tudo igual a antes e só acrescentaram algumas citações do
Documento de Aparecida, mas não se deixaram questionar por ele para realizar
uma conversão pastoral.
Belíssima reflexão podemos fazer depois deste comentário. Amem.
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