O SENTIDO DA QUARESMA
Guaiúba, 24 de março de 2011.
(Homilia para o início do retiro da Quaresma)
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Caros irmãos e irmãs em Cristo,
Iniciamos o tempo da Quaresma que tem por objetivo principal preparar a Páscoa. A Igreja toda se prepara para celebrar a paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor através destes “quarenta dias” (quadragésima daí a palavra quaresma). Os adultos que já estavam se preparando para o batismo há um longo tempo (1, 2, 3... anos) vivem estes últimos dias como num grande retiro que os conduz a diversos graus de iniciação que culminará na vigília pascal com o batismo. Os fiéis (já batizados) aproveitam a quaresma para lembrar e renovar a maior graça que receberam em vida, o batismo, e para se preparar pela penitência para celebrar a morte e ressurreição de Jesus[1].
Para entender melhor este tempo litúrgico e suas implicações para nossa vida e comunidade é importante conhecer um pouco da sua história[2].
A celebração da Páscoa, nos três primeiros séculos, reduzia-se a um jejum realizado nos dois dias anteriores. A comunidade cristã vivia tão intensamente, até o testemunho do martírio (era tempo de perseguição), que não sentia necessidade de um período para renovar a conversão já acontecida com o batismo. A alegria da celebração pascal, porém, era prolongada por cinquenta dias (Pentecostes).
O imperador Constantino no ano 313 publicou um edito que declarava que o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso[3]. Na prática, isso implicou no fim da perseguição oficial realizada especialmente contra o cristianismo. Em 380, outro imperador, Teodósio, tornou o cristianismo a religião oficial do Estado. Ser cristão começou a se tornar fácil e, pior ainda, um status. Muitos começaram a se “converter” ao cristianismo com o objetivo de ganhar os favores dos governantes. A partir de então, começou-se a sentir necessidade de um período que ajudasse a exortar os féis sobre a necessidade de uma maior coerência com o batismo[4].
A quaresma foi se formando progressivamente, em primeiro lugar como momento penitencial preparatório à Páscoa. No começo se fazia uma semana de jejum, no século IV se acrescentou outras três formando-se assim quatro semanas.
O costume de inscrever os pecadores à penitência pública quarenta dias antes da Páscoa determinou a formação de uma “quadragésima” que caia no VI domingo antes da Páscoa (domenica in quadragésima) . Como não se celebrava rito penitencial em dia de domingo (e tal era o rito de inscrição dos pecadores à penitência), fixou-se este ato para a quarta-feira anterior. Toda quarta-feira era dia de jejum, assim nasceu a “Quarta-feira de cinzas”.
A partir do IV século, a estrutura da Quaresma é aquela dos quarenta dias, considerados à luz do simbolismo bíblico: quarenta dias que Jesus passou no deserto jejuando; quarenta anos que o povo passou no deserto antes de entrar na terra prometida; quarenta dias que Moisés esteve no monte Sinais antes de receber as tábuas da lei; quarenta dias que Elias caminhou para o monte de Deus (Horeb) alimentado apenas pelo pão cozido sob as cinzas e pela água; quarenta dias que Jonas pregou a penitência aos habitantes de Nínive.
No tempo dos Padres da Igreja os quarenta dias da Quaresma eram contados do primeiro domingo até a quinta-feira da Ceia do Senhor. Contudo, o costume de iniciar o jejum quaresmal na quarta-feira que antecede o primeiro domingo de quaresma é muito antigo (séculos VI-VII). O rito da imposição das cinzas próprio desse dia fez que a Quarta-feira de Cinzas se difundisse mais que outros dias mais solenes. Por isso, a Igreja Católica ao reformular o ano litúrgico, não modificou esse costume da prática comum dos fiéis[5].
A partir desse breve histórico, podemos dizer que os seguintes aspectos contribuíram para o desenvolvimento da Quaresma:
1. A prática do jejum como preparação para a Páscoa;
2. A disciplina penitencial;
3. As exigências crescentes do catecumento para a preparação imediata ao batismo que acontecia na Vigília pascal.
Por tudo isso que vimos, podemos dizer que a Quaresma é tempo de lembrarmos e renovarmos a grande graça recebida no batismo: Jesus nos deu uma fonte de água que jorra para vida eterna (evangelho do terceiro domingo do ano A); Jesus, luz do mundo, curou a nossa cegueira de nascença (evangelho do quarto domingo do ano A); Jesus, ressurreição e vida, nos libertou da morte do pecado (evangelho do quinto domingo do ano A). Para acontecer esta renovação precisamos ir com Jesus ao deserto passar quarenta dias (evangelho do primeiro domingo). Todos os dias, durante pelo menos dez minutos, deixe seus afazeres, sua televisão, suas conversas com os vizinhos e amigos e faça um momento de oração. Sugerimos que você reze uma estação da Via-sacra por dia e depois leia três vezes o evangelho do domingo seguinte. No final, faça um momento de silêncio e perceba a palavra que Jesus falou para você através daquela oração. Ela deve ser guardada, recordada e vivida durante todo aquele dia, como o alimento que lhe sustentará. Talvez você me diga, “padre, eu não tenho tempo”. Será mesmo? Se você diminuir o tempo que passa na frente da televisão, ou se conversar menos com os vizinhos, ou mesmo se acordar dez minutos mais cedo? Lembre da primeira resposta de Jesus ao tentador: não só de pão vive o homem mas de toda palavra que sai da boca de Deus (Mt 4,4). Nós, seres humanos, não vivemos só de conversas, trabalhos, sono... mas vivemos de Deus e de sua Palavra. Nossa oração e escuta do Senhor é tão importante para nossa existência quanto a refeições que precisamos fazer.
Com a oração Deus vai nos mostrar nossos pecados e nos conduzir a uma penitência que nos ajude a vencer as fraquezas. Pode ser o jejum e a abstinência próprios das sextas-feiras; a renúncia a conversas que acabam quase sempre em fofocas; diminuição, ou mesmo abolição da televisão, durante este tempo para se dedicar mais à oração pessoal e comunitária; etc.
Todas estas formas de sacrifícios precisam ser feitos em vista da esmola/caridade. Não adianta você renunciar a televisão, se trancar no quarto para rezar e deixar sua mãe desesperada arrumando a casa. Quando ela lhe chama para ajudar você responde: “posso não, estou rezando”. Também não teria sentido deixar de participar dos grupinhos de comadres e passar por elas e dizendo: “o padre disse que vocês são um bando de fofoqueiras, eu é que não vou me misturar”. Ou então fazer jejum a pão e água toda sexta-feira e aproveitar o dinheiro que sobrou no final do mês com a alimentação para engordar a poupança. Nestes casos eu perguntaria: onde está a esmola/caridade? Toda penitência tem que ser em vista do outro. É muito melhor você prometer a Deus a renúncia a algo que vai ajudar seu relacionamento com o próximo do que fazer uma grande renúncia que só vai “servir” para si mesmo.
Por fim, precisamos dizer que a penitência quaresmal não é o objetivo último. A Quarema serve para preparar a Páscoa; a oração, o jejum e a esmola para ajudar a graça de Deus formar em nós um homem e uma mulher novos. Isso é o que descobrimos com o evangelho do segundo domingo, o da Transfiguração de Nosso Senhor no monte. Jesus é transfigurado diante dos três discípulos que tinham ouvido o anúncio da sua paixão e morte para que eles não se deixassem abater pelo peso dos acontecimentos vindouros e soubessem, por antecipação, qual o destino último do Mestre e quem ele é (Deus). Com este evangelho criamos ânimo porque percebemos o sentido da nossa penitência quaresmal: ser transfigurados em homens e mulheres novos.
Aproveite, então, a Quaresma para uma renovação da sua vida de batizado. Que Deus abençoe a cada um e a toda comunidade.
[1] Normas universais sobre o ano litúrgico e o calendário, nn. 27-31.
[2] Para o histórico foi seguido quase que literalmente Bergamini, A., Cristo, Festa da Igreja. O ano litúrgico. 3ª ed., São Paulo: Paulinas 2004, pp. 265-267.
[3] http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89dito_de_Mil%C3%A3o, consulta realizada no dia 24 de março de 2011 às 10:30.
[4] Cf. Bergamini, A., Cristo, Festa da Igreja. O ano litúrgico. 3ª ed., São Paulo: Paulinas 2004, p. 265
[5] Para entender a maneira de contar os dias da Quaresma precisamos saber que os domingos não são computados porque no dia do Senhor não se jejua ((6 x 7) – 6) = 36). Os dias que vão da Quarta-feira de cinzas até o sábado antes do primeiro domingo são contados (4). Mas os dias que vão do Domingo de Ramos até a Quarta-feira da Semana Santa são deixados de fora (3). Dessa forma: 36 + 4 = 40.
Parabéns a Paróquia de Guaiuba pelo blog !!!
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