quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Perdoai-nos... assim como nós perdoamos.

Homilia do XXIV domingo do Tempo Comum - Ano A

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
Para sempre seja louvado.

Caros irmãos e irmãs,
No evangelho de hoje ouvimos Pedro perguntar: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?”. Jesus responde: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18, 21-22). O apóstolo pergunta se deve perdoar muitas vezes, demostrando, assim, uma grande generosidade diante de uma lei que afirmava: olho por olho, dente por dente (Dt 19,22). Provavelmente ele deve ter visto a prática e os ensinamentos do Mestre e inspirado por essas realidades ousou ir além da Torá. A resposta de Jesus recorda uma passagem de Gênesis na qual Lamec ameaça uma vingança ilimitada: “Caim é vingado sete vezes, mas Lamec, setenta e sete vezes” (Gn 4,24). O Mestre inverte a lógica vingativa com o perdão ilimitado, é como se ele dissesse: não te digo que deves perdoar muitas vezes, mas sempre.
O mais interessante de Mateus é que ele explica a palavra de Jesus sobre o perdão sem medidas com uma parábola, a do devedor implacável. Um rei, ao acertar contas com seus servos, provavelmente altos funcionários, encontrou um que lhe devia uma soma exorbitante[1], impagável. O procedimento normal era confiscar os bens desse empregado, e vender ele e toda a sua família como escravos para abater a dívida[2]. Mas o funcionário suplica um prazo para conseguir o dinheiro e pagar tudo, realidade impossível na sua situação. Estas são palavras de um homem desesperado que não quer ver sua vida destruída. Algo inusitado acontece, o rei perdoa-lhe tudo. Aquele homem experimentou o perdão de sua dívida impagável, ele foi libertado de uma situação que iria destruir a si e a sua família.
Ao sair da presença do rei, o homem perdoado encontrou um companheiro de trabalho que lhe devia um valor irrisório, 100 denários[3]. A cena entre credor e devedor se repete, aquele pede o pagamento, este pede um prazo, mas se conclui de maneira diferente: “Mas o empregado não quis saber disso. Saiu e mandou jogá-lo na prisão, até que pagasse o que devia” (Mt 18, 30). O homem que foi perdoado em sua dívida impagável, não perdoou seu colega que lhe devia uma soma irrisória. A lógica do perdão foi quebrada.
Esta parábola é uma ótima explicação para o quinto pedido do Pai Nosso: perdoai-nos[4] as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido. Quando nos dirigimos a Deus com esta oração sabemos que nossos pecados graves causam a morte da nossa vida espiritual, da nossa relação com Ele. Nada do que nos disponhamos a fazer pode apagar a nossa culpa e suas consequências no nosso relacionamento com o Pai. Nossa dívida é impagável, mas quando pedimos perdão Ele nos perdoa. A condição, porém, é que façamos a mesma coisa com quem peca contra nós. Coisa que o primeiro devedor da parábola não fez com seu colega.
Quando falamos de perdão várias dúvidas vêm à nossa cabeça, não dá para explicar todas mas ao menos uma precisamos entender. Perdoar é diferente de não sentir nada de negativo pela pessoa. Jesus não está pedindo que não sintamos raiva, mágoa, indignação... Isso seria impossível para uma mãe que teve seu filho assassinado, ou uma esposa que foi traída. O sentimento que nasce diante de realidades negativas que nos atingem é normal e não pode ser controlado por nossa vontade. Sentir não é pecado. Infelizmente muitas pessoas não entendem isso e acabam se culpando porque sentiram raiva de alguém que lhe caluniou. Eu sempre digo, se você não sentisse raiva era um péssimo sinal, estaria com algum distúrbio emocional. Logo em seguida eu pergunto, o que você fez com esse sentimento?
São as decisões e os atos que nascem a partir do sentimento que podem ser pecado ou virtude. O caluniado que rezou por quem fez aquele torto, não deixou de falar com ele e continuou tratando-o como irmão certamente não cometeu pecado algum por sentir raiva. Ele transformou a raiva em amor. Mas quem revidou a calúnia com outra, maquinou em sua imaginação vingança e deixou de falar com o irmão, certamente cometeu pecado; não por causa do sentimento mas devido suas escolhas posteriores.
Saber essa verdade nos dá um grande alívio e uma enorme responsabilidade. Alívio porque descubro que todos os meus sentimentos, por mais intensos que sejam, não são pecados, não ferem o meu relacionamento com Deus. Responsabilidade porque descubro que, com a graça de Deus, posso amar até quem me fez e continua me fazendo o mal. E este amor, segundo Jesus, não pode ter limite porque foi assim que ele fez: tendo amado os seus, amou-os até o fim (cf. Jo 13,1).
Voltando à parábola descobrimos o que acontece com quem não entra na lógica do perdão: “Então o patrão mandou chamá-lo e lhe disse: ‘Empregado perverso, eu te perdoei toda a tua dívida, porque tu me suplicaste. Não devias tu também ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?’ O patrão indignou-se e mandou entregar aquele empregado aos torturadores, até que pagasse toda a sua dívida” (Mt 18,32-34). O mesmo rei que foi capaz de perdoar uma dívida enorme é aquele que irá cobrar cada centavo de quem não fez o mesmo com seu companheiro. Atrás da figura do rei se esconde Deus, Pai misericordiosíssimo e juiz severo.
A parábola de hoje é um convite para entrar na lógica do perdão sem medidas. A Igreja precisa ser o lugar onde se vive este evangelho de forma exemplar para testemunharmos ao mundo que a única coisa que pode quebrar o ciclo vicioso do ódio e da vingança é o perdão. O evangelho também é um convite para olharmos para nossa vida e ver se estamos vivendo nessa lógica com aqueles que nos fizeram mal. Por fim, é uma alerta para que não deixemos passar o tempo da misericórdia de Deus sem desfrutá-la. Se você quer que Deus use misericórdia para com você, seja misericordioso para com os outros. A medida que você medir seu irmão você será medido por Deus, por isso seja generoso no amor.


[1] A Bíblia de Jerusalém afirma que o valor, dez mil talentos, corresponde a cento e setenta e quatro toneladas de ouro (cf. Mt 18,24, nota g).
[2] Cf. G. Barbaglio – R. Fabris – B. Maggioni, Os Evangelhos. 2ª ed. São Paulo: Loyola 2002, p. 285.
[3] O denário corresponde a uma diária de um trabalhador do campo. Segundo a Bíblia de Jerusalém correspondia a menos de 30 gramas de ouro (cf. Mt 18,24, nota h)
[4] Muitos engolem este pronome quando rezam o Pai Nosso. “Perdoai-nos as nossas ofensas”, significa perdoai a nós aquilo que fizemos de errado. Se dizemos apenas “Perdoai as nossas ofensas”, não estamos pedindo perdão para nós mas para nossas ofensas como se elas fossem pessoas capazes de atos errados.

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