sábado, 19 de outubro de 2013

XXVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO C

“Tua fé te salvou” (Lc 17, 19).

Mais uma vez o evangelho nos leva a refletir sobre a fé. Esse é um tema muito importante para o cristão, que precisa continuamente confrontar aquilo que é fundamental no ensinamento de Jesus com aquilo que provém da sua religiosidade natural.

“Eu não recebi a graça que pedi porque talvez eu não mereci”. Esta frase, com pequenas variantes, ouvi algumas vezes de pessoas mais idosas e simples que não têm medo de falar o que vem à sua cabeça. Ela reflete, provavelmente, uma prática religiosa alicerçada no mérito, na prática da lei. Se cumprir tudo aquilo que Deus me pede eu poderei pedir coisas para Ele e Ele me dará, porque “eu mereço”. Se Ele não me der, eu me revolto.

No evangelho de hoje encontramos dez leprosos que viviam à risca as normas da lei sobre essa realidade: viviam fora das cidades, não se aproximavam de quem fosse são (Lc 17,12), andavam com roupa rasgada, cabelos soltos, barbas cobertas e gritando: “Impuro, impuro!” (cf. Lv 13,45-47). Quando perceberam que Jesus estava para entrar num povoado, param à distância permitida e começam a gritar: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!” (Lc 17,13). Ele, sem cumprir nenhum gesto simbólico, como muitas vezes acontece nos seus milagres, manda-os se apresentarem ao sacerdotes, como ordenava a lei em caso de cura de lepra (cf. Lv 14,1-2). Sem questionar, partem para Jerusalém para cumprir o que o Mestre mandou e, no caminho, ficam curados. Aqui se percebe a diferença de quem crer com uma fé cristã para que segue apenas sua tendência religiosa natural. Nove deles continuam o caminho, cumprem a lei e vão para casa, retomando suas atividades. Um retorna glorificando a Deus e agradece a Jesus (Lc 17,15-16). Nas palavras de Jesus, percebemos que essa atitude era a única que manifestava uma fé autêntica. O samaritano reconheceu que foi purificado da lepra não porque cumpriu a lei à risca, porque mereceu, mas porque foi agraciado por Deus. Porque Deus é bom e lhe concedeu esta graça é o único motivo de ele ter sido curado. Por isso ele glorifica a Deus e é grato a Jesus, características fundamentais de quem crer em Cristo.

Na primeira leitura, nós lemos a segunda parte da história de Naamã, o Sírio. Ao se lavar nas águas do Jordão, indo contra seu orgulho – que esperava do profeta ações à altura de um alto funcionário do rei Aram (cf. 2Rs 5,1.11) –, fica totalmente curado (cf. 2Rs 5,14). Espantado, ele retorna a Elizeu, manifesta a sua conversão ao Deus de Israel e oferece presente ao profeta (cf. 2Rs 5,15). Colocada como primeira leitura deste domingo, a passagem pode ser lida como uma tentativa de pagar a cura recebida, por isso o homem de Deus rejeita decididamente o gesto de Naamã.

Retornando à questão da fé e da religiosidade, percebemos que o nosso povo tem um costume arraigado de realizar promessas a Deus ou a um santo. “Se você me der isso eu lhe dou aquilo”. Quando se recebe a cura ou a graça pleiteada, é hora de “pagá-la”, cumprindo aquilo que foi prometido: ir a pé para Canindé, vestir roupa branca por tantos anos, atravessar a igreja de joelhos... Será que Deus se alegra com isso ou tais atos são muito mais reflexo de uma religiosidade natural do homem e da mulher?[1] Deus prefere que a pessoa agraciada tenha um coração cheio de reconhecimento Àquele que é bom e derrama dádivas sobre os seus, gratuitamente.

É difícil nos sentirmos devedores; achamos que nosso credor algum dia vai nos cobrar de maneira cruel. Mas na relação com Deus isso não acontece. Somos devedores, pois Ele nos deu a vida, o perdão, tantas graças... a única coisa que ele cobra, porém, é que reconheçamos essa realidade e vivamos de cabeça erguida: “Levanta-te e vai! Tua fé te salvou.”(Lc 17,19).


Pe. Emilio Cesar
Pároco de Guaiuba




[1] A religiosidade popular é acolhida pela Igreja como próprio da psicologia e da cultura do nosso povo, mas ela percebe que precisa anunciar o evangelho de Jesus para essas pessoas e ajudá-las a passar a uma fé mais centrada no Cristo e na Igreja (comunidade de cristãos). 

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