quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

SAGRADA FAMÍLIA

Eclo 3,3-7.14-17a
Cl 3,12-21
Mt 2,13-15.19-21

“A família cristã é uma comunhão de pessoas” (Cat. 2205[1])

 O Natal do Senhor é uma festa tão importante na Igreja que o celebramos durante oito dias como se fosse único. No domingo que ocorre durante esse período, a Igreja nos convida a celebrar a Sagrada Família, os padroeiros da nossa Igreja Matriz e, consequentemente, de toda a paróquia de Guaiúba. Esta festa recorda que o Filho de Deus veio ao mundo partilhar em tudo a nossa condição humana, menos o pecado, vivendo na obediência e no trabalho dentro de uma família concreta, embora única e irrepetível.

O evangelho nos indica em primeiro lugar como Jesus realiza e revive em si, desde a infância, a experiência do povo de Israel: vai para o Egito e de lá retorna para cumprir as profecias (cf. Mt 3,15). Ao ir para Nazaré, cumpre outro oráculo: "Ele será chamado Nazareno" (Mt 2,23), talvez em referência a Is 11,1 onde o termo nezer (rebento do tronco) indica em Jesus o iniciador do novo povo, e um iniciador na humildade[3].

O personagem mais ativo desta passagem, porém, é outro: José. Ele aparece como aquele que toma conta de Maria e de Jesus. É a ele que o anjo se dirige, avisando que Herodes maquinava matar o menino, e por isso deveria pegar sua família e fugir para o Egito. É a ele também que o mesmo Mensageiro orienta retornar à terra de Israel. José é pai zeloso e esposo amoroso, homem de fé.

A festa de Jesus, Maria e José nos dá uma excelente oportunidade para refletirmos sobre o significado da família. É esta a intenção da Igreja, se observamos a primeira e a segunda leituras de hoje. A fé cristã não trouxe para a sociedade da época um modelo novo de família, mas valores novos que precisavam ser inseridos nos padrões existentes. A carta aos Colossenses é dirigida a uma comunidade que vivia de maneira patriarcal: o chefe da casa era o homem (esposo-pai-patrão). Esse modelo é provavelmente influenciado pelo judaísmo da época, uma vez que as famílias greco-romanas eram mais liberais e as mulheres podiam, inclusive, pedir o divórcio (cf. Mc 10,12). O cristianismo se adaptou ao modelo existente, mas introduziu alguns elementos que se mostraram revolucionários.

Em primeiro lugar, a igualdade de dignidade entre homens e mulheres, escravos e livres, judeus e pagãos - o que conta é Cristo, que é tudo em todos (cf. Cl 3,11). Isso significa que a ideia presente em alguns meios judaicos de que a mulher é inferior ao homem e, por isso, lhe devia obediência, é falsa! Em segundo lugar, a submissão (hypotassesthai), traduzida no texto litúrgico por solicitude da mulher ao marido deve ser realizada "como convém, no Senhor" (cf. Cl 3,18). Não é uma submissão absoluta, mas balizada pelo princípio da fé em Cristo: só Ele é o absoluto da mulher. Além disso, em Ef 5,21 se diz que todos os cristãos precisam ser submissos (hypotassomenoi) uns aos outros - isso inclui o esposo em relação à sua esposa! Por fim, o autor cristão insere outro princípio revolucionário no código de conduta da família: os maridos precisam amar (agapate) suas mulheres (cf. Col 3,19). O verbo utilizado não é o de amor-eros, nem o de amor-filia, mas aquele amor com o qual Cristo amou a Igreja e se entregou por ela (cf. Ef 5,25)[4]!

Essas três novidades cristãs inseridas no código de comportamento familiar nos mostram que o cristianismo não canonizou uma instituição injusta, mas a aceitou e tentou cristianizá-la o máximo que conseguia. Por outro lado, colocou os fundamentos que permitem repensá-la e reinventá-la a partir das mudanças sociais. Pena que alguns setores da Igreja não têm ajudado a fazer esse processo de conversão tão necessário nos dias de hoje, mas insistem em pregar um modelo social de família que não é vinculado ao evangelho de Nosso Senhor, mas a sociedades patriarcais.

A Igreja nos ensina que a família é uma comunidade conjugal fundada no consentimento dos esposos (Cat. 2201). Isso implica que homem e mulher são pessoas de igual dignidade (Cat. 2203), que só podem se unir em matrimônio se os dois quiserem, e que se unem para formar uma comunidade e não uma empresa onde um manda e o outro obedece, onde um goza e o outro se sacrifica. Isso não é matrimônio, é exploração! Se duas pessoas se amam e querem se unir, elas pedem a bênção de Deus através da Igreja e se tornam "uma só carne". Isso significa que os dois não vivem mais como solteiros. Eles querem "juntar seus trapos" e crescer no amor mútuo, transformando o sentimento e a paixão que um tem pelo outro em diálogo, respeito e renúncia. Só assim, com o passar dos anos, vão podendo se tornar verdadeiramente "uma só carne", ou seja, duas pessoas que procuram viver unidos, que constroem uma vida juntos, se ajudando, apesar das fraquezas e diferenças. Esse amor, porém, precisa frutificar - daí a necessidade de filhos. Não para dar prazer aos pais, não para ser seu brinquedo ou posse, mas para que o amor cresça sempre mais na família.

Uma família que vive esse amor com fé cristã se torna Igreja doméstica, uma comunidade de fé, de esperança e de caridade (cf. Cat. 2204). "A família cristã é uma comunhão de pessoas, vestígio e imagem da comunhão do Pai, e do Filho e do Espírito Santo (...) A família cristã é evangelizadora e missionária" (Cat. 2205).

Diante deste ensinamento da fé cristã e católica, como está a minha família? O que posso fazer para ajudá-la a crescer?

Pe. Emilio Cesar
Pároco de Guaiuba





[1] Esta será a abreviação que utilizarei no texto para Catecismo da Igreja Católica.
[2] Cf. Augusto Bergamini, Cristo, Festa da Igreja: história, teologia, espiritualidade e  pastoral do ano litúrgico. 3a Ed., São Paulo: Paulinas, 2004 (Liturgia e participação), p. 222.
[3] Cf. comentário de: Centro Catequético Salesiano de Turim-Leumann, Missal dominical. Missal da Assembleia Cristã. 5a Ed., São Paulo: Paulus 1995, p. 102
[4] Cf. Rinaldo Fabris, As Cartas de Paulo (III). São Paulo: Loyola, 1992, p. 99-104.

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