sábado, 7 de junho de 2014

Homilia de Pentecostes




At 2,1-11
1Cor 12,3-7.12-13
Jo 20,19-23
"Recebei o Espírito Santo" (Jo 20,22)

Caros irmão e irmãs,
Hoje celebramos a festa de Pentecostes. Esta festa já existia no meio judaico e o próprio Jesus deve ter celebrado seja com seus pais seja com seus discípulos pois era uma das três festas de peregrinação obrigatória para os judeus que moravam próximo a Jerusalém. Inicialmente foi chamada de festa da colheita (cf. Ex 23,16) pois celebrava o fim da colheita do trigo que acontecia sete semanas, cinquenta dias (cf. Lv 23,16. Daí a  palavra pentecostes), depois da páscoa (cf. Dt 16,9). Com o passar do tempo foi acrescentada a esta dimensão agrícola um significado histórico: a festa da semana, ou de pentecostes, celebrava o dom da aliança que Deus fizera com seu povo no monte Sinai (cf. Ex 19,3-8.16-20). Se lemos a narrativa da aliança em Ex 19 vamos perceber que o autor descreve este acontecimento como uma manifestação divina (teofania), algo grandioso que hora é apresentada como uma tempestade (cf. Ex 19,16), hora como uma erupção vulcânica (cf. Ex 19,18). Deus se manifesta para fazer daquelas pessoas o seu povo: “Se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha Aliança, sereis para mim a porção escolhida dentre todos os povos (...) E vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa” (Ex 19, 5-6). No monte Sinai, Deus escolhera aquele povo como Seu, para ser instrumento para todos os outros, instrumento de conversão e salvação. E concedera a ele o dom da Lei (cf. Ex 20).
Retornemos agora à primeira leitura de hoje. Atos nos mostra os discípulos reunidos no dia da festa da semana (=Pentecostes) onde se celebrava a renovação da aliança do Sinai. É interessante perceber que Lucas fez questão de coincidir a vinda do Espírito Santo com esta festa judaica. As semelhanças são perceptíveis também nos sinais utilizados pelo autor para descrever esta nova manifestação divina: um forte vendaval que enche a casa (At 2,2) e o fogo das línguas (At 2,3). Deus está se manifestando novamente e algo grandioso está acontecendo: Ele oferece não mais o dom da Lei como no Sinai mas o do Espírito Santo e mostra que aqueles homens (doze, como as doze tribos aos pés do monte) são o novo povo que Jesus constituiu. A oração que a Igreja faz na vigília de pentecostes após a leitura de Ex. 19 diz: “Ó Deus, entre clarões de fogo, destes na montanha do Sinai a antiga lei a Moisés e hoje manifestastes a nova aliança no fogo do Espírito Santo. Concedei que ardamos sempre pelo mesmo Espírito que (...) infundistes nos vossos Apóstolos, e o novo Israel, congregado de todos os povos, acolha com alegria o mandamento supremo do vosso amor” (Missal Romano, Apêndice, p. 998).
O envio do Espírito se concretiza no novo povo, representado pelos doze apóstolos, através do falar “outras línguas” (At 2,4). Alguns identificam este dom com aquilo que acontece na Renovação Carismática Católica, o dom das línguas. É importante perceber que o carisma que Lucas descreve aqui é compreensível pela assembleia: “nós ouvimos anunciar em nossas próprias línguas as maravilhas de Deus” (At 2,11). Logo não pode ser identificado imediatamente com as línguas carismáticas que encontram mais semelhança com aquilo que Paulo descreve na carta aos Coríntios (cf. 1Cor 12-14). Mais uma vez precisamos chamar atenção para aquilo que é mais importante no texto, o significado deste dom. O fato de todos ouvirem os apóstolos na sua própria língua materna é algo que reverte o que aconteceu na Torre de Babel: todo mundo falava uma única língua e foram confundidos por Deus em línguas diversas para que no seu orgulho não se elevassem até os céus (cf. Gn 11,1-9). O Senhor agora refaz a unidade perdida, concedendo uma linguagem única, compreensível a todos, símbolo e antecipação maravilhosa da missão universal da Igreja.
Para viver essa experiência da comunhão restabelecida é preciso viver em comunidade, real, concreta. É ai que faremos o aprendizado de deixar de falar a “minha língua” para falar “outras línguas”, compreensíveis para os outros porque é a linguagem do amor. Poderei conviver com pessoas simpáticas e antipáticas, que me ajudaram e que me feriram, e tentarei viver com todos o mandamento do amor. É nesse momento que a Palavra de Deus encontra resistência de muitos que imaginam que hoje a realidade das comunidades é bem diferente da do tempo dos Atos dos Apóstolos e, por isso, impossível de ser vivida. Hoje temos muitas brigas, busca de poder, divisões, naquela época todos eram um só coração e uma só alma, pensam alguns românticos.
Se lermos com atenção os Atos percebemos que a língua do amor que todos entendem foi um dom dado por Deus e um ideal que a primeira comunidade precisava construir no dia a dia. E eram justamente as dificuldades que permitiam o crescimento. Assim foi no caso de Ananias e Safira (At 5,1-11), nas murmurações dos helenistas contras os hebreus, ambos grupos de cristãos (At 6,1-7); e na discussão veemente entre Barnabé e Paulo contra os cristão judaizantes que levou à assembleia de Jerusalém (At 15). Dificuldades sempre existem nas comunidades e são justamente elas que podem nos ajudar a crescer na unidade. Por isso, mais uma vez lhe convido a fazer parte de uma comunidade concreta, onde existem irmãos diferente de você, simpáticos e antipáticos, mas desejosos de viver a comunhão com Deus e entre si. Só assim poderemos ser cheios do Espirito Santo que foi enviado do céu para formar a comunidade que se chama Igreja e não para meu deleite pessoal ou para meu enaltecimento através dos carismas.

Pe. Emilio Cesar
Pároco de Messejana

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