TEMPO COMUM
VI DOMINGO
Lv
13,1-2.44-46
1Cor
10,31-11,1
Mc
1,40-45
“Eu quero, fica curado”
(Mc 1,41)
Domingo passado ouvimos uma leitura que falava da miséria da
condição humana. O lamento de Jó escandaliza os corações mais otimistas e
esperançosos. A primeira leitura de hoje mostra o tratamento inumano que uma
pessoa atingida pelo mal da lepra recebia da sociedade da época: declarado
impuro pelo sacerdote devia vestir-se de roupas rasgadas, usar cabelos
assanhados e sair gritando “impuro”; devia deixar seu lar e morar fora das
cidades (cf. Lv 13,44-46). Se um leproso da época escrevesse seu lamento talvez
não teríamos coragem de lê-lo.
Hoje esta doença é chamada de hanseníase e sua maior
concentração está no Brasil e na Índia. Noventa por cento da doença na América
Latina se encontra no nosso país! Ela é causada por uma bactéria (Mycobacterium leprae) que se transmite
por via oral caso o enfermo não esteja se tratando. Sim, ela tem cura e seu
tratamento é gratuito. Por isso, as condições de um leproso hoje é bem
diferente. Eles não precisam deixar suas famílias e ser excluídos da sociedade.
Infelizmente a desinformação faz que muitas pessoas se contaminem ou não se
tratem[1].
Voltemos ao contexto bíblico. O motivo de tanta severidade
em relação a estes enfermos é devido a santidade de Deus. Seu elemento
essencial é a pureza externa e ritual. O leproso era impuro porque estava se
decompondo, era considerado um morto que não podia se aproximar do Deus da
vida. Muitas vezes esta doença era vista como a manifestação externa do pecado
da pessoa: um atentado à virtude vivificante do Deus de Israel[2].
Na narrativa evangélica percebemos que o leproso descumpriu
várias leis: não se manteve a distância, não gritou “impuro”... pelo contrário,
se aproximou de Jesus e de joelhos lhe pediu: “Se queres, tens o poder de
curar-me” (Mc 1,40). As contravenções da lei não param por ai. O Senhor, movido
de compaixão, estende a mão, toca nele
e diz: “Eu quero, fica curado” (Mc 1,41). As leis rituais são superadas pela
misericórdia e esta cura ajuda a reconhecer quem é Jesus: o Messias poderoso
(cf. Mt 11,5).
O “se queres” do doente indica o reconhecimento de uma
vontade tão forte quanto a de Deus no Antigo Testamento[3].
Ela pode curá-lo! Jesus confirma essa ideia quando diz: “Eu quero, fica curado”!
Se acrescentamos a isso o gesto de estender a mão que era próprio de Deus e de
Moisés quando cumpria um prodígio (cf. Ex 4,4; 7,19; 8,1; 9,22s; 14,16); o
toque; a dificuldade de acontecer a cura de lepra, ao ponto de ser comparada a
uma ressurreição pelos mestres antigos[4]...
vamos entender a grandiosidade desse milagre. O enfermo com sua súplica reconhece
o poder divino de Jesus. O Mestre age não só como um profeta poderoso dos
últimos tempos mas como o Senhor Deus.
Agora podemos descobrir o que esta passagem bíblica nos diz
hoje. Nós somos, ou deveríamos ser, aquele leproso que grita: “Se queres, tens
o poder de curar-me” (Mc 1,40). Estamos mortalmente enfermos, a lepra envolve
todo o nosso ser e nos consome. Ela se chama pecado. Apesar de existirem muitos
leprosos naquela época apenas um teve coragem de sair do seu anonimato e ir ao
encontro de Jesus suplicar a cura. Pecadores todos nós somos, mas poucos são
aqueles que dão o primeiro passo para a cura: reconhecer-se necessitado da misericórdia
do Senhor. Sair do seu cômodo esconderijo e colocar-se aos olhos de todos como
leproso e de joelhos suplicar: “Se queres, tens o poder de perdoar-me”. Isso
acontece no início de cada celebração eucarística quando batemos no peito e
dizemos “pequei muitas vezes, por minha culpa, minha tão grande culpa”; ou
quando nos aproximamos do sacramento da confissão e contamos o nosso pecado
para um homem também pecador que estendendo as mãos sobre nossa cabeça diz: “Eu
quero, sê perdoado”. Ou com as palavras da Igreja: “Eu te perdoo de todos os
teus pecados. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Somos, assim,
curados da nossa lepra!
Pe. Emilio Cesar
Pároco de Messejana
[1] Seus
principais sinais e sintomas são: sensação de formigamento, fisgadas ou
dormência nas extremidades; manchas brancas ou avermelhadas, geralmente com
perda da sensibilidade ao calor, frio, dor e ao toque; áreas da pele que
apresentem alteração da sensibilidade e da secreção de suor; caroços e placas
em qualquer região do corpo e diminuição da força muscular (dificuldade para
segurar objetos) (http://www.todabiologia.com/doencas/hanseniase.htm,
acesso em 12/fev/2015).
[2] Cf. Lv 13,1, nota a (A Bíblia de
Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2002); Raniero
Cantalamessa,
La Parola e la vita. Riflessioni sulla
Parola di Dio delle Domeniche e delle feste dell’anno B. 9a Ed., Roma:
Città Nuova 2001, p. 193.
[3] Cf. Sl 115,3; Eclo 8,3; Jó 10,13;
42,2; Is 55,11 etc. (cf. R. Pesch, Il vangelo di Marco, I. Brescia: Paideia, 1980, p. 241s).
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