sexta-feira, 8 de maio de 2015

VI DOMINGO DO TEMPO DA PÁSCOA


At 10,25-26.34-35.44-48
1Jo 4,7-10
Jo 15,9-17

Permanecei no meu amor (Jo 15, 9)

A leitura do evangelho é seguimento do domingo passado. Jesus continua ensinando o que significa permanecer nele assim como o ramo permanece na videira. Esta é uma realidade fundamental da nossa fé. Geralmente se prega sobre os mandamentos, a ética, o empenho social, a moral sexual... mas pouco se fala sobre nossa relação com Jesus.
Normalmente nos relacionamos com Deus de uma maneira formal, tradicional. Quando precisamos algo nos dirigimos a Ele com todo o respeito e formulamos uma oração que lhe esteja a altura. Acreditamos que Ele vai nos dar aquilo que pedimos se formos bom e O amarmos acima de tudo. Mas se conseguirmos ser sinceros conosco mesmos, percebemos que não O conhecemos, achamos que está distante de nós ou, pior ainda, temos medo Dele como o escravo teme seu senhor.
No discurso que ouvimos Jesus diz claramente que ele não nos chama mais de servos, escravos, mas de amigos porque nos deu a conhecer tudo o que ouviu do Pai. Em muitas passagens do Antigo Testamento vemos o povo se relacionando com Deus com receio, com medo que a Sua santidade o esmague ou destrua. Podemos afirmar que a aliança com o Senhor assumia características serviçais. Jesus vai propor uma relação nova, fundamentada na amizade: “já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15,15). Uma das características principais da amizade é a reciprocidade no amor e a confiança mútua ao ponto de contar segredos.
É neste contexto que surgem outras duas afirmações impressionantes: “Como o Pai me amou, assim também eu vos amei. Permanecei no meu amor (...) amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo 15,9.12). Percebemos uma corrente: O Pai ama Jesus, Jesus ama os homens e mulheres, e estes amam-se mutuamente.
A fonte de todo amor é Deus, ou melhor, Deus é amor! É o que ouvimos na segunda leitura. Por isso Ele ama Jesus, se entrega inteiramente em suas mãos e declara: “Tu és meu filho amado” (Lc 3,22). Às vezes tento imaginar a intensidade, a profundidade e a constância desse amor mas logo desisto. A impressão que tenho é que não suportaria entender e contemplar a realidade de tal mistério[1]. Fico ainda mais impressionado quando lembro que as características do amor de Jesus por nós são iguais. A maior prova que tivemos foi o ato supremo de sua entrega na cruz[2]. Quando Jesus convida a permanecer no seu amor é em primeiro lugar um convite a permanecer no amor que ele tem por nós, a olhar para a cruz e enxergar nela um testemunho de amor. Ele nos ofereceu a prova que nos ama antes que pudéssemos pedir isso. Foi algo gratuito.
O amor que nasce no Pai e do Pai, passa por Jesus e chega até nós. Ele é antes de tudo um dom que nos precede: “Ele nos amou primeiro” (cf. 1Jo 4,19). Este dom foi derramado dentro de nós no momento do nosso batismo como Espírito Santo (cf. Rm 5,5; 2Cor 1,22), Amor do Pai e do Filho. Mas para ele se desenvolver é preciso não retê-lo. O amor precisa continuar sua trajetória rumo aos outros.
Aqui entra uma característica que é própria do cristianismo: não basta amar quem nos ama, ou quem tem a nossa mesma fé. Meu irmão é também aquele que me fez mal, ou quem passa por dificuldades. Não devemos, porém, buscar um amor universal abstrato. O discípulo de Jesus não é aquele que ama a humanidade lutando pelos direitos dos animais ou das crianças da Etiópia mas esquece de socorrer seu parente que está no hospital abandonado, ou o vizinho que não consegue mais sair de casa. O amor inicia com aqueles que estão mais perto, na sua comunidade e casa. Mas o que significa amar?
A caridade é paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (1Cor 13,4-7).
Gosto de explicar o amor ao próximo como uma ação que faço para ajudar o outro, pensando no bem dele. Mas o que verificamos é que muitas vezes fazemos ao outro algo que vai nos dar o reconhecimento dele ou de quem ver o que iremos fazer. Estamos mais preocupados com nossa imagem, com aquilo que vão dizer ou pensar do que com o bem da pessoa. Por exemplo, para um filho drogado e maior de idade, não é amor uma mãe acolher na sua casa, dar comida e roupa lavada e, às vezes, até dinheiro para ele comprar droga. Pai e mãe desse tipo só estão incentivando o vício do filho, mesmo pensando que o estão amando. Pais assim estão pensando principalmente em si, no que os outros vão dizer se obrigarem o filho a se internar, se não derem mais dinheiro, se forem duros com ele.  Fazer de tudo para não se sentir mal não é amor ao próximo mas amor a si mesmo!
Não sei se consegui explicar o que significa o amor ao próximo, mas se ao menos tivermos entendido que o amor parte de Deus, passa por Jesus e chega até nós para que o façamos circular amando-nos mutuamente, já conseguimos entender o mais importante da Palavra de Deus.


Pe. Emilio Cesar
Pároco de Messejana





[1] S. João da Cruz escreveu um poema sobre o amor divino que é um dos mais belos da literatura cristã, Chama viva de amor. Na primeira estrofe ele diz: “Pois não és mais esquiva, / Acaba já, se queres, / Ah! Rompe a tela deste doce encontro
[2] O tempo dos verbos gregos (agapao e philein) que foram traduzidos por amar estão no aoristo que salienta um ato pontual e não o caráter contínuo que se apresentaria se o tempo fosse presente (cf. R. Brown, Giovanni. Commento al vangelo spiritual, 3a ed. Assisi: Cittadela 1979, p. 799).

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