“Há últimos que serão primeiros” (Lc 13,33).
Jesus continua sua viagem para Jerusalém (cf. Lc 13,22), já
sabemos que é a última de seu ministério público, quando chegar na cidade santa
ele dará sua vida por nós. Por isso, todo seu ensinamento ganha o peso de
legado[1].
Uma pessoa versada na lei do A.T. e conhecedora das discussões
teológicas pergunta: “Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?”.
Alguns mestres da época diziam que todo o povo judeu iria se salvar, outros
acreditavam que somente parte receberia a salvação. Jesus vai além e diz:
“Fazei todo esforço possível para entrar
pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não
conseguirão. Uma vez que o dono da casa se levantar e fechar a porta, vós, do
lado de fora, começareis a bater, dizendo: ‘Senhor, abre-nos a porta!’
Ele responderá: ‘Não sei de onde sois’.
Então começareis a dizer: ‘Nós comemos e
bebemos diante de ti, e tu ensinaste em nossas praças!’” (Lc 13,24-26).
Esta parábola mostra que fazer refeições com Jesus
(prestígio) e ceder as próprias praças para que ele pregasse não é garantia de
salvação. Podemos então concluir que pertencer a uma etnia (raça) e praticar a
religião com atos exteriores por pura tradição (costumes adquiridos) não é
garantia de entrar no Reino. É preciso passar pela “porta estreita”.
A exclusão daqueles que acreditavam que estavam salvos se dá
exatamente porque eles praticam a injustiça. Podemos então concluir que “a
porta estreita” é realizar a justiça. No evangelho de Lucas três pessoas são
reconhecidas como justas: o velho Simeão (Lc 2,25), José de Arimatéia (Lc 23,
50) e Jesus no alto da cruz (Lc 23,47). No cântico de Zacarias, se proclama que
Deus se recordou de sua aliança e libertou seu povo para que o servisse com justiça e santidade em sua presença (cf.
Lc 72-75). A justiça não deve ser entendida como justiça dos tribunais, ou
fazer tudo de maneira corretíssima, mas agir de acordo com a lei do amor. Jesus
já tinha falado sobre isso em Lc 10,25-28 e para explicar melhor sua posição
contou a parábola do bom samaritano (cf. Lc 10,29-37). Pode-se concluir que a
única garantia de que se entrará no Reino de Deus, que se terá a salvação
eterna, é agir com justiça, com amor, se fazer próximo de quem está precisando.
Por isso Jesus acrescenta que vai haver muita dor, tristeza
e raiva quando aqueles que acreditavam que tinham a garantia da salvação por
pertencer à etnia de Abraão, Isaac e Jacó, ao povo eleito do A.T., se ver
excluído. No seu lugar estarão homens e mulher de todos os cantos da terra
(norte, sul, leste oeste), pessoas que não pertenciam ao povo de Deus se
sentarão com os patriarcas e os profetas no banquete do Reino, porque estes
operaram a justiça, amaram com atos concretos quem precisava de sua ajuda.
Aqueles serão “lançados fora” porque não agiram com Justiça mas se confiaram
apenas nas suas falsas garantias.
Esta parábola foi contada por Jesus para alertar os judeus
de sua época sobre as falsas certezas da salvação. Mas quando foi escrita pelo
autor do evangelho ela já deve ter assumido outra função, alertar os cristãos
que já pertenciam à Igreja há muito tempo que isso não era garantia de
salvação: “E assim, há últimos que serão os primeiros, e primeiros que serão
últimos” (Lc 13,30). Alguns de nós pode pensar que porque participa das missas
dominicais, das catequeses de adultos, ajuda nos trabalhos da Igreja, devolve o
dízimo há mais de 20 anos já tem a salvação garantida. Nada disso é certeza de
salvação, mas sim a vivencia do amor. Se tudo isso for feito como expressão de
caridade e se você se tornar próximo de quem necessita, então você está
entrando pela porta estreita. Caso contrário você se parecerá com aqueles que
Jesus critica.
Talvez tenhamos uma grande surpresa no último dia quando percebermos
que muitos que acreditávamos que seriam condenados estarão no banquete do Reino
porque passaram pela porta estreita da justiça, do amor ao próximo; enquanto
que vários cristãos tão puritanos serão excluídos porque se confiaram
apenas na sua pertença oficial à Igreja
(batizado, crisma, 1a comunhão) e em alguns atos religiosos (missas
dominicais, catequese etc.) mas se esqueceram de se fazer próximo de quem
precisava, especialmente se estes eram diferentes de si (pecadores,
prostitutas, ateus, criminosos etc.).
Entremos, então, pela porta estreita do amor.
Pe. Emilio Cesar
Pároco de Guaiuba
[1] “Disposição
de última vontade pela qual o testador deixa a alguém um valor fixado ou uma ou
mais coisas determinadas” (Houaiss.
Dicionário da Língua Portuguesa).
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