“Tudo o que é meu é teu” (Lc 15, 31).
Esta passagem talvez seja a página mais lida, comentada e
amada de todo o evangelho de Lucas. Ela contém a parábola do filho pródigo, ou
melhor, a história do pai misericordioso. Geralmente ela é explicada a partir
da ótica do filho mais novo que sai da casa do pai para gastar sua parte da
herança com uma vida desenfreada e quando se encontra sem nada resolve retornar
para pedir emprego. Ele, porém, é acolhido pelo pai como filho muito amado.
Hoje eu gostaria de comentar a passagem a partir da história
do filho mais velho, aquele que não saiu de casa, não pediu a sua parte da
herança, não esbanjou o dinheiro com farras ou prostitutas, sempre foi
obediente ao pai e fica com raiva quando percebe que seu irmão retornou e estão
fazendo uma festa para ele.
Na parábola que Jesus conta, o mais velho representa os
fariseus e mestres da lei que estavam reclamando porque ele acolhia os
pecadores públicos que lhe procuravam para ouvir sua palavra e fazia refeição
com eles (cf. Lc 15,1). O filho mais novo representa justamente estes
pecadores, os publicanos e as prostitutas que estão em busca de uma vida nova.
Os mestres da lei e os fariseus não conseguem compreender como aqueles que esbanjaram
sua vida de forma desenfreada podem agora ser acolhidos por Jesus. No fundo a mentalidade
destes homens não é diferente daquela presente em muitos católicos tradicionais
que estão na Igreja há tanto tempo. Retornemos então ao evangelho para
descobrir que mentalidade cancerígena é essa.
[Pai], eu trabalho para ti há
tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um
cabrito para eu festeja com meus amigos. Quando chegou esse teu filho, que
esbanjou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho cevado (Lc 15,
28-30).
O filho mais velho nunca tinha saído da casa do pai, nunca
tinha desobedecido a uma ordem sua e trabalhava para ele todos esses anos, mas
não vivia como filho e sim como empregado: ele nunca teve coragem de pedir um
cabrito sequer para fazer festa com seus amigos! Ele fazia tudo por pura obrigação
e dever, e nunca tinha experimentado a alegria de estar na casa do pai. Lá no
fundo ele deve ter ficado com inveja do mais novo que teve coragem de
“aproveitar a vida”, enquanto ele se matava de trabalhar, por isso ficou com
tanta raiva quando o pai fez festa para o mais novo que tinha sido recuperado
com vida.
Podemos até imaginar como essas palavras devem ter cortado o
coração do pai, seu primogênito não vivia como filho mas como servo, por isso
ele disse: “Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu” (v. 31).
Em outras palavras ele disse, “você poderia ter pegue um cabrito ou um novilho
para festejar com seus amigos, porque tudo isso é seu também. Agora, deixa de
viver como empregado e passa a viver como filho meu, entra na minha casa e faz
festa para seu irmão que estava perdido e foi encontrado”. Não sabemos se ele
aceitou o convite ou não. O que percebemos é que ele precisava também de uma
profunda conversão: deixar de vive na casa do pai por obrigação, e como
empregado, para viver ali como filho que desfruta dos bens do pai porque são
dele também.
Nós católicos que estamos há muito tempo na Igreja e já
fizemos um certo caminho de mudança de vida às vezes caímos na mentalidade
deste filho mais velho. Fazemos as coisas por obrigação, dever, e não
experimentamos mais a alegria de viver na casa do Pai. Parece que no fundo
sentimos inveja daqueles que vivem de forma inconsequente fazendo tudo o que
têm vontade e quando estes pecadores públicos se aproximam da Igreja temos
raiva e expressamos esse sentimento com nossos julgamentos cruéis, nossas caras
feias ou até mesmo certas palavras grosseiras. Precisamos descobrir que Deus
não prende ninguém na Sua casa. E ninguém deve permanecer aí por pura
obrigação, como se estivesse preso pelo cumprimento da lei. Nós católicos de
longa data precisamos aceitar o convite do Pai de entramos em uma nova
mentalidade, a da festa. É bom estarmos na Sua casa, é bom não termos
experimentado as consequências de uma vida desenfreada, a lama das porcilgas.
Mas é melhor ainda fazer festa com quem sai desta situação de morte e retorna
para a casa do Pai, para a Igreja: “Mas era preciso festejar e alegrar-nos,
porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi
encontrado” (Lc 15, 32).
Pe. Emilio Cesar
Pároco de Guaiuba
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