“Este é o Rei dos judeus” (cf. Lc 23,38).
Chegamos ao final de mais um ano litúrgico. O último domingo
do Tempo Comum a Igreja dedica à Solenidade de Cristo Rei do universo. O papa
Pio XI instituiu esta festa com a encíclica Quas
primas (1925). Ela deveria acontecer no último domingo de outubro e era
revestida de um caráter fundamentalmente social. A reforma litúrgica inspirada
pelo Concílio Vaticano II a transferiu para o período que celebramos hoje e
sublinhou a dimensão escatológica do Reino na sua consumação final. “Assim,
Cristo aparece como centro e Senhor da história, desde o início até seu momento
final, ‘o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim’” (Ap
22,12-13)[1].
Os judeus da época de Jesus esperavam um rei-messias que
viesse tirá-los daquela situação de exploração e humilhação por parte do
Império Romano. Alguém que restaurasse o reino de Davi, que tivesse a força
religiosa e política para fazer isso. A primeira leitura nos lembra um pouco como
este rei foi importante na história do povo de Deus e como a esperança dos
judeus da época de Jesus era não apenas religiosa mas também política.
Quando Jesus aceitou ser chamado de Messias - mesmo que tenha
reiteradas vezes explicado que seu messianismo era diferente -, o povo passou a
esperar que ele realizasse a libertação do jugo dos romanos e instaurasse um
reino terreno e político. Diante de sua condenação, alguns daqueles que o
tinham aclamado com alegria (cf. Mt 19, 35-38), na sua entrada triunfal em Jerusalém, começaram a caçoar: Que rei é esse que morre numa cruz sem que seu exército o
defenda?! Se és o Cristo, salva-te a ti mesmo! (Lc 23,35-36).
Hoje também, quando falamos que Cristo é Rei do universo,
pensamos logo numa imagem dele com um cetro e uma coroa de ouro, manto vermelho e
roupas majestosas, como os reis de antigamente. Mas o evangelho nos mostra que
seu reinado é totalmente diferente daquilo que nós imaginamos ou desejamos.
O letreiro em cima da cruz dizia: “Este é o Rei dos Judeus”
(Lc 23,38). Devem ter colocado esta placa para caçoar dele e dos judeus, mas
ela dizia a verdade. Sim, Ele é rei justamente ao morrer na cruz como um
condenado, sem dar nenhuma prova de realeza, mas perdendo honra, amigos,
admiração, perdendo a vida. O Reino dele inicia efetivamente quando se despoja
de tudo na cruz por amor a nós. Com isso, Jesus reconcilia consigo e com o Pai
todos os seres, realizando a paz pelo seu sangue (cf. Col 1,20). Aqueles que
pertenciam ao poder das trevas, o reino do mal, agora podem passar a fazer
parte do Reino de Jesus (cf. Col 1,13). Como?
A resposta de como as pessoas que fazem parte do reino das
trevas podem passar para o Reino de Deus está no próprio evangelho. Dois
ladrões foram crucificados também. Eles pertenciam ao poder das trevas, foi por
isso que tinham sido condenados a morrer daquela forma. Um, porém, reconheceu a
verdade do seu pecado e, mais ainda, percebeu que aquele homem desfigurado pela
dor, abandono e humilhação, aquele verme, era santo e poderia lhe salvar da
situação de morte: “’Para nós, é justo, porque estamos recebendo o que
merecemos; mas ele não fez nada de mal’. E acrescentou: ‘Jesus, lembra-te de
mim, quando entrares no teu reinado’” (Lc 21,41-42). Este ladrão é um modelo
para todos aqueles que reconhecem que estão emaranhados no reino do mal, se
deixam levar pela vingança, humilham o próximo de todas as formas possíveis,
tripudiam com o sofrimento alheio, são infiéis ao amor do cônjuge, não se
dedicam à família quanto deviam... Se você reconhecer seu pecado e confessar
que o Crucificado, aquele que morreu como condenado, é o único Rei que pode lhe
ajudar a sair desta situação maléfica pelo perdão e pelo dom de uma vida nova,
então você poderá também entrar no Reino de Deus.
Além do reino do mundo, existe um outro reino, aquele que
construí e no qual desejo que todos entrem, inclusive Deus: cure o filho
doente, dê emprego ao marido, faça a filha se dar bem com o esposo, consiga
minha aposentadoria etc. Quando isso não acontece, me revolto e questiono se Jesus
existe e se reina na minha vida. O que a Igreja nos convida hoje é não só
deixar o reino das trevas mas também o nosso e entrar no Reino de Jesus. Como
se faz isso? Através de um fé autêntica e profunda. A confiança nele me leva a
unir minha tristeza, sofrimento e decepção à sua derrota na cruz para nele
encontrar vida e salvação justamente a partir destas situações de morte e assim
me tornar vitorioso, mesmo perdendo.
Jesus dirá para você aquilo que Ele disse para o ladrão: “Em
verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43) ou, em outras
palavras: Hoje poderás sair do reino das trevas e do próprio reino e entrar no
Reino de Deus!
Pe. Emilio Cesar
Pároco de Guaiuba
[1]Bergamini, Augusto, Cristo, festa da Igreja: história, teologia, espiritualidade e pastoral
do ano litúrgico. 3a Edição, São Paulo: Paulinas, 2004, p. 436.
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