“É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida” (Lc 21,19).
Estamos nos aproximando do final do ano litúrgico e nas
últimas semanas do Tempo Comum se ouvem leituras que falam do fim dos tempos,
popularmente chamado de “fim do mundo”. Esse tema causa aflição no coração
daqueles fiéis que não entendem bem o que Jesus falou sobre esse assunto e o
que a Igreja deseja nos ensinar colocando tais leituras na liturgia. A antífona
de entrada da missa, porém, nos mostra claramente a intensão da Igreja e a do
Senhor: “Meus pensamentos são de paz e não de aflição”.
Para entender bem o evangelho precisamos contextualizá-lo
dentro do escrito: Jesus finaliza sua viagem - que tinha começado em Lc 9,51 - , chegando
em Jerusalém e inicia os últimos e mais importantes acontecimentos da sua vida. Certo dia entra no templo e começa a ensinar (Lc 20,1) sobre o que está para
acontecer consigo (Lc 20,9-19) e com os seus (Lc 21,5-36). São palavras importantes, cheias
de sentido, porque são as últimas de seu ministério, um verdadeiro testamento
espiritual.
Algumas pessoas comentavam sobre as belas pedras do templo e
Jesus aproveitou para fazer um discurso sobre as últimas realidades.
Inicialmente ele tratou sobre o que iria acontecer com Jerusalém (Lc 21,7-24) e
depois sobre as catástrofes e dificuldades que precederiam a vinda gloriosa do
Filho do Homem (Lc 21,25-36), momento da libertação definitiva dos fiéis (cf.
Lc 21,28). Para falar sobre tudo isso, Lucas se utilizou de imagens simbólicas,
típicas do gênero literário apocalíptico - ele não estava fazendo previsões
futuras exatas. Além disso, é preciso lembrar que o evangelho que estamos lendo
foi escrito por volta do ano 85 d.C. Jesus tinha morrido no ano 33 e a cidade
de Jerusalém tinha sido destruída no ano 70 pelos romanos. Tudo isso permitiu
que o evangelista usasse mais detalhes ao descrever a queda de Jerusalém dando
mais força às palavras do Mestre.
A comunidade que lia este evangelho estava passando por
perseguições externas (cf. Lc 21,12-19) e possuía ao menos dois grupos dentro
de si: um que estava desmotivado com tantas dificuldades porque Jesus não tinha
voltado logo, como pensavam que o Mestre tinha prometido; outro que ainda ficava
olhando para o céu esperando seu retorno e não se preocupava em trabalhar (cf. At
1,11). Lucas oferece uma resposta para ambos:
“Cuidado para não serdes
enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: ‘Sou eu!’ e ainda: ‘O
tempo está próximo’. Não sigais essa gente! Quando ouvirdes falar de guerras e
revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam
primeiro, mas não será logo o fim” (Lc 21,8-9).
Os cristãos perseguidos precisam permanecer firmes na oração, na vigilância (cf. Lc 21, 34-36), no
amor ao próximo, no trabalho (cf. 2Ts 3,10-12) e na esperança. Esta perseverança lhes dará a vida como
prometido no v. 19. Por isso, não se deve deixar levar por pessoas ou grupos
que marcam a data do fim do mundo, ou pessoas que se anunciam como o verdadeiro
enviado e pregam catástrofes que trazem perturbação ao coração dos
ouvintes (cf. Lc 21,8); nem desistir da caminhada porque é muito árdua e Jesus
tarda a voltar[1]. É
preciso permanecer firmes nas palavras de Jesus, que nos indicam o caminho mais
seguro e equilibrado: o da vigilância, do trabalho pelo Reino, do amor ao
próximo.
Como nos mostrou o evangelho de hoje, estamos nesse tempo
intermediário entre a ascensão de Jesus e o seu retorno glorioso. Para o
cristão que deseja viver sua fé sem se dobrar diante das seduções do mundo, ainda é tempo de perseguição, mesmo em países democráticos e com maioria
católica. As dificuldades vêm de onde menos esperamos, da própria casa, dos
amigos, dos colegas de trabalho. Nós, cristãos, acreditamos que a vinda gloriosa
do Cristo nos trará não apenas a manifestação definitiva da justiça
misericordiosa do Senhor, mas também a transfiguração de toda a criação em novos
céus e nova terra: “E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e
os mortos; e o seu reino não terá fim” (credo niceno-constantinopolitano). Por
isso, nossa esperança na vinda gloriosa de Cristo deve nos impulsionar sempre
mais na vivência da fé, no testemunho da Boa Nova, no amor aos pobres, na
implantação do Reino.
Vigiar, perseverar na fé, desejar e esperar a vinda gloriosa
do Senhor para acontecer nossa libertação definitiva. Façamos silêncio diante
dessas palavras do Senhor.
Pe. Emilio Cesar
Pároco de Guaiuba
[1] Lembre-se que a volta gloriosa de Jesus marcará o fim
de toda perseguição e a manifestação da justiça divina sobre os que perseguiram
e fizeram sofrer os cristãos.
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