“Porque para Deus nada é impossível” (Lc 1,37).
No período do advento temos a alegria de celebrar a
solenidade da Imaculada Conceição de Maria, uma festa já conhecida desde o século
XI mas que foi proclamada como dogma em
1854 por Pio IX com as seguintes palavras:
A beatíssima Virgem Maria, no
primeiro instante de sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus
onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo (...) foi preservada imune de
toda mancha do pecado original[1].
A fé da Igreja Católica proclama que Maria não foi manchada
pelo pecado original. Adão e Eva, criados por Deus sem pecado, foram tentados
na sua obediência à palavra do Senhor porque desejavam ser como Ele,
conhecedores do bem e do mal (Gn 3,1-6), ou seja, dizer por si mesmo o que é
bom e o que é mal, independente ou até indo contra o seu Criador. Essa
desobediência original trouxe sérias consequências para o casal: concupiscência
da carne (Gn 3,7), medo e vergonha de Deus (Gn 3,8-10), desequilíbrio na
relação entre homem e mulher (Gn 3,12.16), aumento das dores e dos sofrimentos
na vida de ambos (Gn 3,16.17-19) e, finalmente, a morte (Gn 3,22)[2].
Esse pecado foi tão grave que suas consequências foram sentidas por todos os
homens e mulheres de todas os lugares e tempos. Cada um de nós é concebido com
uma ferida, uma tendência ao mal, que a Igreja, inspirada nas palavras de Paulo
em Rm 5,12.19, chama de pecado original. Ele é denominado “pecado” por
afinidade porque ele é “contraído” e não “cometido”, um estado e não um ato[3].
Isso explicaria, em grande parte, nossa tendência ao mal.
Maria foi a única mulher concebida sem essa ferida original
graças aos méritos de Cristo. Para que Deus Fez isso? Para prepará-la
antecipadamente para ser mãe digna do seu filho. Esta obra maravilhosa do amor
de Deus por nós, a Imaculada Conceição de Maria, precisava, porém, o sim dela:
“Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38). É
graças a este sim que tivemos acesso ao Messias profetizado, o Salvador, o Cordeiro
sem mancha, que tira os nossos pecados[4].
Por isso, é muito conveniente celebrarmos a Imaculada Conceição no período do
advento e, antecipando a alegria do Natal, cantarmos o glória pelas maravilhas
que ele fez nesta mulher por nós.
Maria foi preservada da mancha do pecado também por causa de
outro motivo: daquilo que seremos. Na segunda leitura ouvimos: “Em Cristo, ele
nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e
irrepreensíveis [imaculados] sob o seu
olhar, no amor”(Ef 1,4). Nós também somos chamados a nos tornarmos imaculados!
Nascemos com o pecado original, mas podemos ser irrepreensíveis! Como?
Cristo amou a Igreja e se
entregou por ela, a fim de santificar pela palavra aquela que ele purifica pelo
banho da água. Pois ele quis apresentá-la a si mesmo toda bela, sem mancha [imaculada] nem ruga ou qualquer reparo,
mas santa e sem defeito (Ef 5,25-27).
A Igreja é o grande projeto de Deus para formar homens e
mulheres santos, imaculados. Uma humanidade que possa comparecer diante Dele
sem medo nem vergonha, como sentiram Adão e Eva após o pecado. Uma humanidade
que Deus possa amar e unir em comunhão Consigo, mediante o Seu Filho, no
Espírito Santo[5].
Daqui a pouco iremos rezar no prefácio de hoje: Em Maria, “nos destes as
primícias da Igreja, esposa de Cristo, sem ruga e sem mancha, resplandecente de
beleza”. Maria é o início da Igreja, a primeira realização do projeto de Deus.
Ele pode fazer que homens e mulheres pecadores, orgulhosos, desobedientes, se tornem
santos, porque “para Deus nada é impossível” (Lc 1,37)[6].
E isso é feito graças ao batismo, à confissão, à eucaristia, à Palavra
proclamada, à vida comunitária...
Neste trabalho de purificação e de recuperação da imagem de
Deus em nós, Maria aparece como modelo e
advogada da graça. Ela não é apenas uma meta a ser atingida porque foi a
criatura que melhor viveu as palavras de Jesus, mas também alguém que intercede
por nós e trabalha conosco para que Cristo seja formado em nós. Mais uma vez o
prefácio nos ajuda a entender essa missão da Mãe Imaculada: “Escolhida, entre
todas as mulheres, modelo de santidade e advogada nossa, ela intervém
constantemente em favor de vosso povo”.
Como essa festa, cravada no coração do advento, é importante
para vivermos o tempo do advento, preparação para vinda do Senhor! Com Maria
nos preparamos para recebe-lo no Natal; com ela nos preparamos para sua vinda
gloriosa; e ainda, com a Imaculada, acolhemos na fé e na caridade a Jesus que
vem em cada pessoa humana[7],
porque é somente a misericórdia pelos mais necessitados que nos tornará
imaculados[8]!
Pe. Emilio Cesar
Pároco de Guaiuba
[1] DH
2803, apud: Catecismo da Igreja Católica, n. 491.
[2] Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 400.
[3]
Cf. Catecismo da Igreja Católica,
n. 404.
[4]
Cf. Prefácio da missa de hoje.
[5]
Cf. Raniero Cantalamessa, La Parola e la vita. Riflessioni sulla Parola di Dio delle
Domeniche e delle feste dell’anno A. 12a Ed., Roma: Città Nuova 2004, p. 347.
[7]
Cf. Prefácio do Advento IA.
[8]
Quando se ouve a palavra
“imaculado(a)” normalmente vêm à nossa mente um grau de perfeição angelical
(mas somos homens e mulheres!), ou o retorno a uma suposta pureza infantil
perdida. Deus deseja nos fazer sem manchas não neste sentido, mas no sentido
daquilo que nos torna semelhantes a Ele, o amor. E não qualquer tipo de amor
mas do amor de misericórdia, aquele que o Senhor demonstra em relação aos
pecadores. De fato, o “Sede perfeitos…” de Mt 5, 48 é paralelo ao “Sede
misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” de Lc 6,36.
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