Ex 17,3-7
Rm 5,1-2.5-8
Jo 4,5-42
Tenho sede (cf. Mt
5,7)
A partir deste domingo iremos ouvir textos do evangelho de
João: o encontro de Jesus com a samaritana, a cura do cego de nascença, a
ressurreição de Lázaro. São passagens que possuem uma forte simbologia
batismal. Elas eram utilizadas para ajudar os catecúmenos na última etapa de
preparação para seu batismo que iria acontecer na vigília Pascal. Para eles, a
quaresma era a última etapa de purificação e iluminação.
Esses homens e mulheres tinham passado dois, três ou mais
anos recebendo uma preparação adequada (vivência comunitária, oração, doutrina)
para poder abraçar a fé cristã e receberem o batismo. Eles não participavam de
um curso de um ou dois anos, eles participavam de alguns aspectos da vida da
comunidade para saberem se realmente queriam se tornar cristãos arriscando sua
própria vida.
O que as leituras de hoje ensinam aos catecúmenos e aos
batizados que são convidados neste tempo a renovarem a graça do seu batismo?
Um elemento perpassa todas as leituras: a água. Na passagem
do Êxodo o povo reclama que está com sede e o deserto onde Deus os conduziu não
possui água, por isso murmuram: nos fizestes sair do Egito para nos fazer
morrer de sede neste deserto? O Senhor está no meio de nós, ou não? (cf. Ex 17,3.4.7). Deus manda Moisés
ferir um rochedo do monte Horeb com sua vara porque de lá sairá água, e assim
acontece.
Para nós cristãos essa passagem se torna mais importante a
partir da interpretação dada por Paulo em suas cartas. A rocha era na verdade
Cristo que já acompanhava o povo do Antigo Testamento na sua peregrinação pelo
deserto (cf. 1Cor 10,3-4); e a água era a água do batismo que nos sacia com um
mesmo Espírito (cf. 1Cor 12,13).
Na segunda leitura a simbologia é enriquecida e aprofundada:
"o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que
nos foi dado" (Rm 5,5). A água do batismo, consequência da fé em Cristo, é
também derramamento do amor Deus e do Espírito Santo nos corações dos fieis
batizados. S. Paulo fala desse momento ainda com outras expressões teológicas
importantes: justificação pela fé, ser reconciliados com Deus.
Na primeira leitura percebemos que o povo estava sedento por
isso desejava a água. No evangelho Jesus pede a Samaritana: "dá-me de
beber" (Mt 4,7). Em outras palavras ele diz: tenho sede! A mulher percebe
a estranheza daquele pedido: um homem judeu falando com uma mulher samaritana
na beira de um poço![1].
A surpresa não para por aí, Jesus ainda afirma: "Se tu conhecesses o dom
de Deus e quem é que te pede: 'Dá-me de beber', tu mesma lhe pedirias a ele, e
ele te daria água vivia" (Jo 4,10).
Como aquele homem poderia oferecer água para ela se não tinha sequer um
recipiente para pegá-la!? O mestre, porém, falava de um outro tipo de água!
O pedido de Jesus é, num primeiro momento, apenas uma
desculpa para iniciar um diálogo com a samaritana. Nesta conversa ele vai
conduzindo-lhe lentamente a tomar consciência de sua sede interior, uma sede de
felicidade e de vida, que lhe levou a buscar a saciedade nos homens que teve:
cinco, e o sexto era apenas um amante que não podia ser apresentado
publicamente! O amor de homens ou mulheres, os bens, a fama, a aparência... são
águas que saciam momentaneamente, mas às vezes trazem consigo veneno. Jeremias
fala sobre isso com outro símbolo que envolve a água: "Duplo crime cometeu
o meu povo: abandonou-me a mim, fonte de água viva, e para si preferiu cavar
cisternas, cisternas defeituosas que não retêm água" (Jer 2,13)
Tomar consciência desta sede que a levou à água do amor dos
homens foi necessário para ela perceber que precisava da água que Jesus lhe
oferecia: o amor verdadeiro que pode dar sentido a todas as outras alegrias
legítimas. Só quem tem consciência do próprio pecado sente necessidade da
salvação. Aquela mulher foi saciada por Jesus. Ela deixou seu cântaro no poço,
símbolo da sua vida passada, para falar entusiasmadamente dele para o povo de
Samaria (cf. Jo 4,29).
Hoje somos convidados a fazer ou refazer a experiência dessa
mulher. Reconhecer que buscamos saciar nossa sede em águas que nos levaram para
longe de Deus. Tentamos cavar cisternas para reter aquilo que nos dava prazer e
alegria: aventuras amorosas, reconhecimento dos outros, sucesso profissional...
Mas no fim, descobrimos que essas águas estavam contaminadas e só aumentavam a
nossa sede.
Temos sede! O clamor do povo no deserto é o nosso. Dá-me
dessa água, o pedido da samaritana é o nosso. Precisamos nos reconhecer
sedentos da água de Cristo, daquela que jorrou da rocha, do seu lado ferido
pela lança (cf. Jo 19,34). Tudo isso aconteceu (ou acontecerá) para nós no batismo.
Revivamos essa experiência, voltemos a beber desta fonte que jorra. Como
podemos fazer isso? Reconciliando-nos com Deus pela pela confissão sacramental,
reavivando nossa fé através da vida comunitária e da celebração eucarística.
Jesus tem sede de que nós tenhamos sede dele!
Pe. Emilio Cesar
Pároco de Messejana
[1] Os
judeus odiavam os samaritanos (cf. Eclo 50,25-26; Jo 8,48; Lc 9,52-55) e
explicavam a sua origem pela imigração forçada de cinco povos pagãos que,
permaneceram fiéis aos seus deuses, simbolizados pelos cinco maridos do v. 18
desta passagem (cf. Jo 4,9, Nota g, Bíblia de Jerusalém). O poço era muitas
vezes lugar de encontro (cf. Gn 29,1-14).
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