sábado, 22 de março de 2014

III DOMINGO DA QUARESMA - ANO A

Ex 17,3-7
Rm 5,1-2.5-8
Jo 4,5-42

Tenho sede (cf. Mt 5,7)
A partir deste domingo iremos ouvir textos do evangelho de João: o encontro de Jesus com a samaritana, a cura do cego de nascença, a ressurreição de Lázaro. São passagens que possuem uma forte simbologia batismal. Elas eram utilizadas para ajudar os catecúmenos na última etapa de preparação para seu batismo que iria acontecer na vigília Pascal. Para eles, a quaresma era a última etapa de purificação e iluminação.
Esses homens e mulheres tinham passado dois, três ou mais anos recebendo uma preparação adequada (vivência comunitária, oração, doutrina) para poder abraçar a fé cristã e receberem o batismo. Eles não participavam de um curso de um ou dois anos, eles participavam de alguns aspectos da vida da comunidade para saberem se realmente queriam se tornar cristãos arriscando sua própria vida.
O que as leituras de hoje ensinam aos catecúmenos e aos batizados que são convidados neste tempo a renovarem a graça do seu batismo?
Um elemento perpassa todas as leituras: a água. Na passagem do Êxodo o povo reclama que está com sede e o deserto onde Deus os conduziu não possui água, por isso murmuram: nos fizestes sair do Egito para nos fazer morrer de sede neste deserto? O Senhor está no meio de nós,  ou não? (cf. Ex 17,3.4.7). Deus manda Moisés ferir um rochedo do monte Horeb com sua vara porque de lá sairá água, e assim acontece.
Para nós cristãos essa passagem se torna mais importante a partir da interpretação dada por Paulo em suas cartas. A rocha era na verdade Cristo que já acompanhava o povo do Antigo Testamento na sua peregrinação pelo deserto (cf. 1Cor 10,3-4); e a água era a água do batismo que nos sacia com um mesmo Espírito (cf. 1Cor 12,13).
Na segunda leitura a simbologia é enriquecida e aprofundada: "o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado" (Rm 5,5). A água do batismo, consequência da fé em Cristo, é também derramamento do amor Deus e do Espírito Santo nos corações dos fieis batizados. S. Paulo fala desse momento ainda com outras expressões teológicas importantes: justificação pela fé, ser reconciliados com Deus.
Na primeira leitura percebemos que o povo estava sedento por isso desejava a água. No evangelho Jesus pede a Samaritana: "dá-me de beber" (Mt 4,7). Em outras palavras ele diz: tenho sede! A mulher percebe a estranheza daquele pedido: um homem judeu falando com uma mulher samaritana na beira de um poço![1]. A surpresa não para por aí, Jesus ainda afirma: "Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: 'Dá-me de beber', tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água vivia" (Jo 4,10).  Como aquele homem poderia oferecer água para ela se não tinha sequer um recipiente para pegá-la!? O mestre, porém, falava de um outro tipo de água!
O pedido de Jesus é, num primeiro momento, apenas uma desculpa para iniciar um diálogo com a samaritana. Nesta conversa ele vai conduzindo-lhe lentamente a tomar consciência de sua sede interior, uma sede de felicidade e de vida, que lhe levou a buscar a saciedade nos homens que teve: cinco, e o sexto era apenas um amante que não podia ser apresentado publicamente! O amor de homens ou mulheres, os bens, a fama, a aparência... são águas que saciam momentaneamente, mas às vezes trazem consigo veneno. Jeremias fala sobre isso com outro símbolo que envolve a água: "Duplo crime cometeu o meu povo: abandonou-me a mim, fonte de água viva, e para si preferiu cavar cisternas, cisternas defeituosas que não retêm água" (Jer 2,13)
Tomar consciência desta sede que a levou à água do amor dos homens foi necessário para ela perceber que precisava da água que Jesus lhe oferecia: o amor verdadeiro que pode dar sentido a todas as outras alegrias legítimas. Só quem tem consciência do próprio pecado sente necessidade da salvação. Aquela mulher foi saciada por Jesus. Ela deixou seu cântaro no poço, símbolo da sua vida passada, para falar entusiasmadamente dele para o povo de Samaria (cf. Jo 4,29).
Hoje somos convidados a fazer ou refazer a experiência dessa mulher. Reconhecer que buscamos saciar nossa sede em águas que nos levaram para longe de Deus. Tentamos cavar cisternas para reter aquilo que nos dava prazer e alegria: aventuras amorosas, reconhecimento dos outros, sucesso profissional... Mas no fim, descobrimos que essas águas estavam contaminadas e só aumentavam a nossa sede.
Temos sede! O clamor do povo no deserto é o nosso. Dá-me dessa água, o pedido da samaritana é o nosso. Precisamos nos reconhecer sedentos da água de Cristo, daquela que jorrou da rocha, do seu lado ferido pela lança (cf. Jo 19,34). Tudo isso aconteceu (ou acontecerá) para nós no batismo. Revivamos essa experiência, voltemos a beber desta fonte que jorra. Como podemos fazer isso? Reconciliando-nos com Deus pela pela confissão sacramental, reavivando nossa fé através da vida comunitária e da celebração eucarística.
Jesus tem sede de que nós tenhamos sede dele!


Pe. Emilio Cesar
Pároco de Messejana





[1] Os judeus odiavam os samaritanos (cf. Eclo 50,25-26; Jo 8,48; Lc 9,52-55) e explicavam a sua origem pela imigração forçada de cinco povos pagãos que, permaneceram fiéis aos seus deuses, simbolizados pelos cinco maridos do v. 18 desta passagem (cf. Jo 4,9, Nota g, Bíblia de Jerusalém). O poço era muitas vezes lugar de encontro (cf. Gn 29,1-14).

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