Jl 2,12-18
2Cor 5,20 - 6,2
Mt 6,1-6.16-18
“Deixai-vos
reconciliar com Deus” (2Cor 5,20).
Iniciamos a Quaresma, um tempo forte de preparação para a
Páscoa, quando celebraremos o centro da nossa fé: paixão, morte e ressurreição
de Nosso Senhor Jesus Cristo. Teremos “quarenta dias” (quadragésima, daí a palavra “quaresma”) para colocar em prática a
exortação de S. Paulo aos coríntios: "Deixai-vos reconciliar com
Deus" (2Cor 5,20). No fundo, reconciliar-se com Deus é renovar a graça do
nosso batismo, momento em que fomos perdoados de todos os nossos pecados e
mergulhados na Santíssima Trindade (cf. Mt 28, 19).
A quarta-feira de cinzas nasce no século VI ou VII. Neste
período existia o costume de inscrever os pecadores à penitência pública
quarenta dias antes da Páscoa[1],
mas esta data caía em um domingo. Como não se celebrava rito penitencial em dia
de Domingo, fixou-se este ato para a quarta-feira anterior. As cinzas também
faziam parte deste primeiro dia da Quaresma e se tonou muito popular entre os
cristãos. A Igreja ao reformular o ano litúrgico não modificou esse costume. Assim
nasceu a “quarta-feira de cinzas”[2].
Depois de falarmos sobre a história precisamos refletir
sobre o sentido desse dia: Deixai-vos reconciliar com Deus. A reconciliação tem
dois movimentos. O primeiro nasce de Deus. Ele enviou ao mundo o seu Filho, que
assumiu sobre si o pecado de todos e morreu no nosso lugar para nos dar o
perdão e uma vida nova. Essa é a primeira graça que o cristão recebe através da
sua fé, que conduz ao batismo. O tempo da quaresma é um tempo favorável (kairós) para renovar nossa fé em Cristo
e a graça do batismo. É isso que a Igreja nos indica com a segunda leitura.
O segundo movimento da reconciliação parte do coração do homem
e da mulher que se deixou tocar por Deus; é o arrependimento que gera
penitência. Ouçamos novamente o convite da primeira leitura:
Agora, diz o Senhor, voltai
para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos: rasgai o
coração e não as vestes; e voltai para o Senhor; ele é benigno e compassivo,
paciente e cheio de misericórdia... (Jl 2,12-14).
O coração bíblico não é a sede dos sentimentos, mas das
decisões, do discernimento e das escolhas. A conversão verdadeira nasce neste
coração como uma decisão de deixar o pecado para trás e voltar-se inteiramente
para Deus. Ela se expressa exteriormente e é ajudada pelo jejum, pela oração e
pela esmola.
No tempo de Jesus, essas práticas de piedade estavam sendo
usadas não para se voltar para Deus mas para se enaltecer. Alguns doutores da
lei, quando davam esmola, contavam para muitas pessoas, para que vissem que
eram generosos e os elogiassem. As orações de cunho mais pessoal eram feitas no
meio das praças pelo mesmo motivo. Mesmo o jejum, algo difícil de ser
percebido, era marcado por sinais exteriores, e todos notavam o rosto
desfigurado daqueles que estavam jejuando. Em vez de se voltarem para Deus,
eles estavam se voltando para si mesmo, atraindo a atenção e o elogio das
pessoas sobre si. Isso é o contrário do movimento que o homem e a mulher
precisam fazer para se reconciliarem com Deus.
Jesus não aboliu estes três instrumentos de piedade do
Antigo Testamento, mas mostrou como eles devem ser utilizados: para ajudar a
sair de nós para Deus. Com o jejum, descobrimos que não só de comida vive o ser
humano, mas de toda palavra que sai da boca de Deus. Por isso, o tempo que
sobra das refeições que não fazemos, dediquemos à leitura da Palavra. A oração
é um encontro e uma conversa com quem deu o primeiro passo para nossa
reconciliação. Por isso, precisamos intensificar os momentos que estamos na
presença do nosso Senhor, recebendo sua graça, sua força, seu amor.
A esmola é muito mal entendida por nós católicos. Em geral,
pensamos que é um trocado que damos a quem nos pede, que nunca faz falta no
final do mês no nosso orçamento. Mas é muito mais do que isso. Esmola é uma
palavra de origem grega (eleêmosyne),
que foi transposta da mesma maneira para o latim e depois para o português. Ela
deriva do substantivo eleêmôn, que
foi traduzido para nossa língua por "misericordioso"[3].
Logo, "dar esmola" significa "ser misericordioso" com
aquele que está necessitado. Quando damos um trocadinho, pensamos "Já fiz
minha parte", e nos desresponsabilizados por aquela pessoa necessitada. O
dinheirinho que a gente dá pode estar prejudicando a pessoa, acostumada àquela
vida porque é mais cômoda, ou porque ganha mais que os trabalhadores
assalariados fazendo bem menos. Dar esmola significa ajudar a pessoa a crescer,
a melhorar, a sair da margem da sociedade, ou de uma situação de miséria. Para
isso preciso me responsabilizar por ela, chegar perto, olhar nos olhos, tocar,
conhecê-la. Implica não só em dinheiro, mas também em tempo, rompimento com
preconceitos e medos... amor. Com essa explicação você pode estar pensando: vou
continuar dando uns trocados porque fazer o que o padre está dizendo é muito
difícil. Ser cristão é difícil! Sugiro que você comece pelas pessoas que estão
mais perto de você: a pessoa que trabalha na sua casa, a diarista, o vizinho
necessitado... Lembre-se: não é simplesmente dar dinheiro ou comida, é ajudá-lo
a crescer como pessoa.
Dentro dessa perspectiva, podemos dizer que o fim de toda
penitência quaresmal é a esmola, é a caridade. Não adianta você fazer jejuns e
orar mais se isso não se converte em amor pelos mais necessitados.
Em um momento de silêncio, deixe o Senhor lhe sugerir três
propósitos concretos para você viver nesta quaresma.
Pe. Emilio Cesar
Pároco de Messejana
[1] No
tempo dos Padres da Igreja, os quarenta dias da Quaresma eram contados do
primeiro domingo da Quaresma até a quinta-feira da Ceia do Senhor.
[2]
Para entender a maneira de contar os dias da Quaresma precisamos saber que os
domingos não são computados, porque no dia do Senhor não se jejua ((6 x 7) – 6)
= 36). Os dias que vão da Quarta-feira de Cinzas até o sábado antes do primeiro
domingo são contados (4). Mas os dias que vão do Domingo de Ramos até a
Quarta-feira da Semana Santa são deixados de fora (3). Dessa forma: 36 + 4 =
40.
[3] Eleêmôn deriva de eleos, que significa misericórdia.
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