Mt 21,1-11
Is 50,4-7
Fl 2,6-11
Mt 26,14 - 27,66
"Ele esvaziou-se
a si mesmo" (Fl 2,7)
Quase todas as vezes que ouço o relato da paixão de Nosso
Senhor fico esperando algo que não aconteceu: uma intervenção de Deus, um milagre
espantoso que calasse a boca e parasse as ações daqueles que crucificaram Jesus,
aos moldes dos filmes americanos de ação. No último momento, quando tudo
parecesse perdido, o herói apareceria para salvar, vingar os humilhados e
reestabelecer a justiça. No fundo, era o que eu desejava que tivesse acontecido.
Nada mais humano e compreensivo para quem nutre simpatia por Jesus e seu ideal.
Mas isso não aconteceu. Ao contrário, Deus silenciou e deixou que seu Filho fosse
entregue, sofresse a paixão e morresse.
Nem mesmo a entrada triunfante e alegre de Jesus em
Jerusalém, narrada no primeiro evangelho (Mt 21,1-11), é capaz de apagar o ranço deixado pela
narrativa do sofrimento e morte do Senhor. O próprio Jesus enquanto homem parece
que experimentou este silêncio de Deus, Seu abandono: “Meu Deus, meu Deus, por
que me abandonaste?” (Mt 27,46). Por que tudo isso? Por que o silêncio e o
sofrimento?
Ouvindo a leitura aos Filipenses parece que descobrimos a
chave de interpretação de tudo:
Jesus Cristo, existindo em
condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação, mas ele esvaziou-se
a si mesmo, assumindo a condição de escravo e tornando-se igual aos homens.
Encontrado com aspecto humano, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até
a morte, e morte de cruz (Fl 2,6-8).
Jesus escolheu o caminho do esvaziamento de todas as suas
prerrogativas divinas para assumir nossa carne e fazer-se um de nós. Podemos
dizer que essa é a forma de Deus ser, seja em si mesmo, seja na sua relação com
sua criatura. Deus é amor, e esse amor para se realizar precisa ser relação,
troca. Por isso, Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. O Pai em seu amor se
esvazia inteiramente de si entregando-se ao Filho; que por sua vez devolve
totalmente essa doação ao Pai; desta relação amorosa procede o Espírito. Nenhum
dos três se retém, nem se impõe ao Outro, eles se doam.
Nas Escrituras também percebemos que a dinâmica da revelação
é a do esvaziamento. Para Deus criar o mundo, Ele "saiu" de si e, a
partir do seu amor, criou tudo com a Palavra. Ao homem e à mulher manifestou
seu plano de amor falando a linguagem deles e não a Sua. A Moisés manifestou-se
através daquilo que existe de mais comum e efêmero no deserto, um monte de
espinhos pegando fogo. Essa é a forma de Deus ser e agir, o esvaziamento. Não
poderia ser diferente com Jesus.
Para Jesus mostrar todo o seu amor pelo Pai e,
principalmente, por nós, ele precisava assumir nosso lugar. Não apenas a
posição da maioria dos homens, mas aquela dos piores pecadores e criminosos.
Ele precisava chegar ao mais baixo da condição humana, ele precisava se colocar
até mesmo no lugar dos piores criminosos e experimentar o que significa se
condenar para sempre (ser abandonado por Deus). O sofrimento de Jesus, nesta
perspectiva, não foi ninguém que impôs sobre ele, mas era uma exigência do seu
amor total por nós. Com isso, ele redimiu o homem e a mulher; o pior de todos
os criminosos pode receber o perdão e a salvação se aceitar essa doação de amor
do Senhor.
Foi por isso que Deus não agiu como os heróis dos filmes
americanos, mas deixou que seu Filho nos amasse até o fim; porque no Filho Ele
também nos amava (até o fim).
Pe. Emilio Cesar
Pároco de Messejana
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