Nm 6,22-27
Gl 4,4-7
Lc 2,16-22
Maria guardava todos esses fatos em
seu coração (cf. Lc
2,19).
A Igreja, tanto no oriente quanto no ocidente, sempre teve a alegria de
honrar Maria
como Mãe de Deus (em grego: Theotókos).
A partir do terceiro concílio ecumênico, o de Éfeso (431), o culto popular
prestado à Santíssima Mãe de Deus cresceu em amor, oração e imitação[1].
Na liturgia da Igreja de Roma, esta é a mais antiga celebração dedicada a Maria
(550-595d.C.), e foi fixada na oitava do Natal, no dia 1° de janeiro[2].
Pela sua importância para os católicos, é uma festa de preceito (dia santo de
guarda).
A maternidade divina está na origem de todo privilégio de Maria. A Virgem
concebeu e deu à luz o Verbo de Deus segundo a Carne e, por isso, pode ser
chamada de Mãe de Deus. Ela não é mãe apenas do corpo humano de seu filho, mas
é a mãe do seu Filho todo, que é Deus[3].
Na segunda leitura ouvimos o anúncio mais antigo deste mistério mariano:
"Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou o seu Filho, nascido de
uma mulher (...)para que todos recebêssemos a filiação adotiva" (Gl
4,4-5). No momento que Jesus, em Maria, se faz filho do homem, nós, filhos dos
homens, nos tornamos filhos de Deus. No momento em que ele, de Filho se faz
servo, nós que éramos servos nos tornamos filhos. É o admirável intercâmbio
entre o céu e a terra que a Igreja ora no seu terceiro Prefácio do Natal:
"No momento em que vosso Filho assume nossa fraqueza, a natureza humana
recebe uma incomparável dignidade: ao tornar-se ele um de nós, nós nos tornamos
eternos". O lugar e a mediadora de todo esse mistério é Maria[4].
O mistério da maternidade da Virgem é algo que precisamos contemplar,
professar e reconhecer como grande dom do Amor de Deus por nós. Mas não podemos
imitá-lo. O que então a Igreja deseja que façamos a partir do mistério que
celebramos?
A resposta está no evangelho. Após a visita e as palavras grandiosas dos
pastores à família sagrada sobre o Menino que nasceu, o evangelista escreve:
"Quanto a Maria, guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu
coração" (Lc 2,19). Acontecimentos e palavras (rhema) que chegavam ao conhecimento dela eram cuidadosamente
depositados no seu coração, na sede de seus pensamentos e decisões; lugar onde
o ser humano dialoga consigo mesmo, assume suas responsabilidades e se abre ou
se fecha para Deus[5].
Quantas vezes Maria deve ter retornado a "este lugar" para meditar o
sentido das palavras dos pastores tirando delas a luz e a força para sua
caminhada? Não esqueçamos que a Mãe de Jesus viveu, cresceu e foi provada na
sua fé, especialmente durante os 30 anos de silêncio em Nazaré. O principal
alimento da sua fé eram as palavras e acontecimentos (rhema) que tinha conservado dentro de si. Por isso, podemos dizer
que a Palavra de Deus nela se faz carne duas vezes: fisicamente, durante os 9
meses de gestação; depois espiritualmente, durante o resto da sua vida cada vez
que meditava e tentava colocar em prática o que ouvia da parte do Altíssimo, do
Filho e do Espírito.
Todos os cristãos precisam imitar Nossa Senhora nesta sua capacidade de
ser discípula, escutar a Palavra e por em prática, gerando novamente Jesus na
sua vida (cf. Lc 8,21).
A solenidade de hoje, porém, nos questiona também em outro sentido. Qual
o lugar da mulher dentro da Igreja? É consenso de que a mulher ainda não tem na
comunidade eclesial o lugar que lhe é devido, mas qual seria? Alguns movimentos
acreditam que ela precisaria fazer a mesma coisa que os homens podem: ser
padre, bispo, papa etc. Será que isso não seria um tipo de machismo ao
contrário: só é importante na Igreja aquilo que o homem faz!? Maria não foi
apóstola, mas nenhum cristão católico tem coragem de dizer que ele foi menos importante
que os doze no plano da salvação e na Igreja. Ela com sua fé, discrição,
silêncio e feminilidade conduziu a comunidade dos 120 discípulos para receber o
Espírito Santo. Ela é honrada, de fato, como Rainha dos apóstolos. Não foi responsável
(epíscopa ou presbítera) por nenhuma comunidade primitiva mas sabemos que ela é
a Mãe da Igreja. Será que o lugar da mulher é o mesmo do homem, ou é um outro?
Nem maior nem menor, simplesmente diferente, mas tão digno quanto.
Pe. Emilio Cesar
Pároco de Messejana
[1] Cf. Augusto Bergamini,
Cristo, Festa da Igreja: história,
teologia, espiritualidade e pastoral do
ano litúrgico. 3a Ed., São Paulo: Paulinas, 2004 (Liturgia e participação),
p. 448.
[3] Cf. A. Bergamini,
Cristo, Festa da Igreja. 3a Ed., São
Paulo: Paulinas, 2004, p. 448. Santo Inácio de Antioquia chama Jesus de "o
filho de Deus e de Maria". Tal expressão coloca a Virgem Mãe ao lado do
Pai celeste sem fazer dela uma deusa (cf. Cf. Raniero Cantalamessa, La Parola e la vita. Riflessioni sulla Parola di Dio delle Domeniche e
delle feste dell’anno A. 12a Ed., Roma:
Città Nuova 2004, p. 41).
[5] Cf. Xavier Léon-Dufour (dir.), Vocabulário de teologia bíblica. 10a Ed., Petrópolis: Vozes, 2009,
p. 174-175.
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